Até certa altura da vida, eu não gostava de viajar. Sempre fui preguiçoso. Acomodado. Ir de um lugar ao outro sempre me causava estresse. Arrumar e desarrumar malas, bolsas e sacolas realmente não me agradava. Talvez isso tenha a ver com a instabilidade de moradia que eu e a minha família sofremos durante a infância e a adolescência.
Além disso, as viagens mais longas que fazíamos tinham um grau de precariedade absurdo. Lembro de certa vez, quando minha avó nos levou de ônibus do Rio de Janeiro a Porto Alegre, ter detestado passar 24 horas num veículo quente, sem ar-condicionado e com pessoas fumando (sim, hoje parece absurdo, mas até meados da década de 1990 as pessoas fumavam dentro dos ônibus e aviões).
Nossa peregrinação entre essas cidades foi intensa. Não parávamos por muito tempo no mesmo lugar. Éramos nômades porque a pobreza nos obrigava. Com um histórico desses, era de se esperar que eu não gostasse de viajar. Hoje compreendo isso com mais clareza. Minha recusa em me deslocar, até então, talvez venha daí.
Agora, na vida adulta, com um pouco mais de estabilidade de moradia, percebi que viajar poderia ser interessante. Outro dia encontrei num caderninho antigo meu, de 10 anos atrás, a seguinte frase: “Uma viagem nunca começa na partida, toda viagem começa quando regressamos dela”. Era uma frase solta e sem explicação posterior. Hoje tento interpretá-la. Talvez a experiência de viajar se estenda na recordação. Lembrar o que fizemos, os lugares que visitamos, com quem estivemos e os sentimentos diante do novo nos leva a uma outra viagem: uma viagem ao interior de nós mesmos.
Há muitas maneiras de viajar. Uma viagem que você faz sozinho tem outra relação com o deslocamento. Uma viagem de família ou mesmo uma viagem de casal pode ser um tanto desafiadora. Seja a lazer ou a trabalho, uma viagem sempre carrega um eco de imprevisibilidade, de inesperado. Para quem não sabe lidar com as coisas que fogem ao controle, viajar pode ser um inferno.
Viajar para lugares que não se conhece nos coloca automaticamente nesse lugar de estranhamento, de curiosidade e de busca por algo que nos seja familiar. Acho que hoje entendo melhor aquela frase que escrevi sobre a viagem começar no regresso. Porque é nas lembranças que passamos a visitar esses lugares novamente. É na memória que guardamos essa viagem interior e que carregaremos por toda a vida.