Durante quatro anos, debrucei-me numa pesquisa de doutorado analisando como as literaturas portuguesa e africana representavam a figura paterna. Comecei a pesquisa com uma inquietação: por que os pais costumam ser retratados de maneira trágica na literatura ocidental? Por que a figura paterna é retratada pela ausência e pelo trauma? Num primeiro momento, podemos pensar que a literatura apenas reflete as relações familiares.
Minha hipótese inicial era de que a representação literária africana era diferente: menos traumática, menos violenta e mais afetiva. A partir dessa premissa, mergulhei em algumas obras literárias, como Até que as Pedras se Tornem mais Leves que a Água, do escritor português António Lobo Antunes; As Mulheres do meu Pai, do angolano José Eduardo Agualusa; e Niketche: Uma História de Poligamia, da escritora moçambicana Paulina Chiziane.
Além disso, eu queria compreender como essa paternidade era exercida num contexto pós-colonial, levando em consideração o recorte de raça. Conforme fui avançando na pesquisa, percebi que minha hipótese inicial começava a cair por terra. Principalmente após a leitura de Niketche. Ali percebi que estava buscando a representação de um pai ideal que não existia. Nem na vida e nem na literatura. Um pai é sempre um pai, seja no ocidente ou no continente africano. Pois num mundo globalizado e integrado, as culturas, mesmo as mais específicas ou isoladas, também são afetadas, e as experiências paternas tornam-se parecidas.
Percebi então que era possível pensar numa representação paterna mais honesta e mais próxima do que uma sociedade patriarcal e sexista permite. Assim, tomei de empréstimo o título do livro de Lobo Antunes e nomeei minha tese como Até que o Pai se Torne mais Leve que a Água. Na verdade, estava construindo uma tese para que pudesse tirar o peso do pai trágico sobre nossas vidas. Olhar para essa construção paterna grave que o ocidente construiu e, de certo modo, torná-la mais leve. Era uma procura acadêmica que desaguava numa possibilidade de questionar por que a paternidade é exercida desse modo.
Escrever uma tese é sempre uma travessia. É entrar num túnel de pesquisas e teorias. Uma pesquisa nos transforma como pessoas. Ao terminá-la, percebi que, ao falar sobre o pai, eu estava era falando sobre a mãe. Todo o tempo. Sobre como este peso paterno incide diretamente nas mulheres e no modo como a maternidade é exercida. Mas isso é conversa para outra coluna. Por enquanto, torço para que o pai, na vida ou na literatura, se torne mais leve que a água.