Tempos atrás fui rever o filme Os Incompreendidos, do Truffaut. Sempre me comovo com este filme. E quando gostamos de algo, queremos também partilhar esse prazer com alguém. Então chamei meu filho para assistir. Queria que ele identificasse no filme as belezas que vi, que ele ficasse sensibilizado com o personagem e que mais tarde, na vida adulta, ele se lembrasse desse filme de modo marcante.
Mas só havia um detalhe: meu filho na época tinha 11 anos. Coloquei o filme, fiz pipoca, trouxe guaraná. Tentei causar um grande entusiasmo para que ele sentisse curiosidade. Mas bastou pouco mais de 10 minutos para o João olhar para mim e dizer sem rodeios que estava achando chato e que ia para o quarto jogar videogame. Achei justo. Afinal, na idade dele, o jogo do Minecraft parece ser bem mais interessante que o Truffaut.
O que me fez pensar qual o momento para apresentarmos aos filhos ou mesmo aos alunos determinadas obras culturais. Pensando se já há neles a maturidade suficiente. Certa vez, numa escola em que eu lecionava, fui chamado para uma reunião com dois pais de um aluno porque ficaram chocados pelo fato de haver dado como leitura o livro Feliz Ano Novo, do Rubem Fonseca. Era uma turma do 2º ano do Ensino Médio, adolescentes. Na época, o livro era leitura obrigatória para o vestibular.
O argumento dos pais era que o livro seria inapropriado para o filho deles, pois eram histórias violentas e cheias de palavrões. Questionaram por que eu não dava Machado de Assis para eles lerem. Disse, com paciência, que já havia dado Machado de Assis a eles e que, dependendo do ponto de vista, os textos do Bruxo do Cosme Velho poderiam ser bem mais violentos. Na época, eu realmente tinha muita paciência para explicar essas coisas. Terminei dizendo que a literatura não é violenta, que quem é violenta é a vida. Não adiantou muito, e os pais continuaram achando que o pimpolho deles iria ficar traumatizado lendo boa literatura.
Outro dia, recebi uma carta de uma ex-aluna que me lembrou que eu havia pedido para uma turma de 1º ano do Ensino Médio a leitura do livro Memórias do Subsolo, do Dostoiévski. Na carta, ela disse que na época metade da turma detestou o livro ou não entendeu nada, mas que ela gostou tanto que teve vontade de fazer o vestibular para o curso de Letras só para aprender a ler em russo. Fiquei feliz. Indicar livros, filmes e músicas com paixão na esperança de que os outros também experimentem este sentimento de fruição pode ser frustrante ou recompensador. O fato é que erramos, acertamos e por vezes somos incompreendidos.