Quando sou perguntado de onde vêm as ideias para escrever romances, de onde surgem as histórias ou como as personagens chegam até mim, costumo dizer que minha ficção vem de algum lugar não sabido entre a memória, a leitura e as experiências pessoais. No entanto, sempre penso que esta resposta é capenga, insuficiente e talvez superficial. Perguntas como essas não me permitem chegar à honestidade que o interlocutor merece porque simplesmente não sei exatamente como se dá esse processo.
Entretanto, lendo o livro Anos de Formação: Os Diários de Emilio Renzi, do escritor argentino Ricardo Piglia (editora Todavia), tenho a sensação de estar diante de um relato intelectual e afetivo mais preciso sobre a origem dos romances. O livro é uma autobiografia sobre seus primeiros contatos com a leitura e a sua jornada para se tornar escritor. A obra foi uma indicação do meu amigo e poeta João Nunes, que insistiu com veemência que eu lesse este livro. Tenho sorte de ter amigos inteligentes que me indicam boas leituras.
Há, ali, coisas para além do mero registro habitual. Há reflexões sobre o mundo e a tentativa de compreender como a vida funciona. A juventude é o lugar mais precário para aprender os mecanismos do mundo. Por isso, o registro é bonito. É um relato sincero de como os erros e acertos para um escritor em construção são importantes para sua escrita futura. É uma espécie de arqueologia da criação, pois tudo está lá, na formação do artista enquanto jovem. O material para ficção, como reflete Piglia, está nas leituras, nas vivências e nas epifanias diante das primeiras histórias: Proust, Hemingway e Borges.
A certa altura, me deparei com esta frase: “para ler, é preciso aprender a ficar quieto”. O trecho se referia à descrição de Piglia ao passar horas imóvel, lendo pela primeira vez os contos de Hemingway. Piglia passara a tarde diante daquelas páginas e quando a noite chegou, ele não tinha vontade de acender a luz para não perder o encantamento. Que imagem bonita, eu pensei.
Piglia nos mostra que ler é a mobilização dos sentidos todos. Não se trata apenas de uma educação sentimental, mas de uma educação do próprio corpo. Ler, portanto, é um ato sofisticado porque é um processo de abstração que não passa só pelo intelecto, mas também por uma postura corporal. Quando você lê, você se silencia. Apazigua os sentidos. E nada pode ser mais importante que as palavras que estão diante dos seus olhos. Sim, Piglia, ler é aprender a ficar quieto diante de si.