Dias atrás, estava participando da Bienal do Livro de São Paulo. Fui convidado para participar de uma mesa em homenagem ao escritor português José Saramago. Junto comigo estavam os escritores José Luís Peixoto e Andréa Del Fuego. Na ocasião, falamos, entre outras coisas, de como chegamos na literatura de Saramago. No meu caso, o primeiro contato que tive se deu através de um conto chamado Centauro, que faz parte do livro Objecto Quase, publicado em 1978.
No conto, que mistura o real e o mítico, vemos a narração de um homem e um cavalo, e que em determinado momento param para descansar após uma longa cavalgada. Em seguida, o homem começa a sonhar, e surge a figura do centauro, este ser híbrido e mitológico metade humano e metade animal. A partir daí, Saramago vai nos oferecendo reflexões sobre a vida, sobre a existência e, mais do que isso, reflete sobre como lidamos com essa parte animal, mais instintiva e irracional, que nos habita.
Já ao final da mesa e de nossa discussão, fomos todos surpreendidos com a chegada do presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Souza. O presidente subiu no palco sob as lentes de centenas de fotógrafos, apertou nossas mãos, pediu a palavra e começou a falar com propriedade e beleza sobre Saramago. Confesso que, enquanto ele falava, senti uma espécie de tristeza porque não pude evitar a comparação com Bolsonaro. Não pude deixar de pensar como foi que chegamos no fundo desse poço.
Não conseguia parar de pensar como foi que milhões de pessoas puderam acreditar num presidente que se vangloria por não ler livros. Como foi que chegamos nesse lugar de celebração da ignorância? Como foi que elegemos um presidente que declara guerra ao conhecimento? Como foi que chegamos ao ponto de eleger um presidente que celebra escolas de tiros e vendas de armas ao invés de abrir bibliotecas? É claro que um presidente intelectualizado, leitor, não garante que teremos um bom governante, mas certamente um presidente que se coloca contra a ciência, contra o conhecimento e se torna inimigo do livro tem todos os requisitos para ter uma administração desastrosa e genocida como a que tivemos até agora.
Depois de sua fala, Marcelo Rebelo foi aplaudido, desceu do palco e continuou a circular entre os stands acompanhado de seguranças e do público em geral. E, enquanto ele sumia na multidão, fiquei pensando que de fato merecemos um futuro melhor. Um futuro sem armas, sem discursos de ódio, sem violência e com mais amor aos livros. Por mais presidentes leitores no Brasil e no mundo.