A língua é simplesmente fascista, já diria o linguista e filósofo francês Roland Barthes. Porque é um sistema que não nos impede de dizer, mas nos obriga a falar. A aquisição de uma língua já é por si só um ato impositivo. Todos nós, ao nascermos, somos expostos a uma determinada língua e obrigados a nos expressar por ela.
Somos seres humanos e o modo que encontramos para organizar o mundo é através da linguagem. Na língua portuguesa não é diferente. A língua herdada dos colonizadores portugueses sofreu mudanças durante os séculos. Não é de hoje que leis tentam impor o modo de falar e escrever à população.
No último dia 15, o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, sancionou a lei que proíbe o uso de linguagem neutra nas escolas e em toda a administração pública municipal. O projeto já havia sido aprovado em maio pela Câmara de Vereadores. O argumento dos autores é o de preservar o bom uso e a norma culta da língua portuguesa. No entanto, nós sabemos que o verdadeiro intuito do projeto é vetar a utilização e a adaptação de termos que não indiquem os gêneros masculino e feminino como “x”, “@” ou “e”.
A proibição da “linguagem neutra” só demostra o desconhecimento de nossos representantes políticos sobre o que de fato significa uma língua. Sabemos, certamente, que tais tentativas de interdição estão para além de achismos de políticos leigos no assunto, mas a serviço de uma ideologia fascista, conservadora e ultradireitista que tomou conta do Brasil nos últimos anos.
A ideia de linguagem neutra e genérica já está presente em nossa língua desde sempre. Exemplos não faltam: “O homem foi à Lua” ou “Os professores foram às ruas”. Entretanto, essa generalização se dá na maioria dos casos, em termos masculinos, patriarcais e machistas. Além disso, com as discussões em torno do gênero cada vez mais complexas, surge a necessidade de refletirmos sobre os limites da nossa língua e o quanto podemos expandi-la para atender às demandas de comunidades historicamente violentadas.
Não esqueçamos que a herança linguística portuguesa não veio de modo pacífico. Na origem de nosso idioma está também a escravidão, os assassinatos, os estupros e os apagamentos das identidades indígenas e negras. A utilização da linguagem neutra deve ser vista como um modo de reparar as violências cometidas durante séculos.
Seria muito mais pedagógico propor discussões sobre o uso da linguagem neutra do que proibi-la. Mas não tem nada, não. A língua é sempre maior do que as leis. Quem manda na língua é o povo e não uma canetada. Bom dia a todas, todos e todes.