Na semana passada, estive na Academia Brasileira de Letras para dar uma palestra sobre o escritor gaúcho Erico Verissimo. A palestra fazia parte de um ciclo de conferências intitulado Cadeira 41, organizado pela escritora Ana Maria Machado. Cadeira 41 é uma homenagem a todos aqueles escritores que não foram eleitos para a ABL, mas que deveriam ter sido escolhidos como imortais, caso de Clarice Lispector, Rubem Braga e Antonio Candido, por exemplo.
Antes de começar a conferência, fui convidado a conhecer a biblioteca pessoal de Machado de Assis, fundador da ABL. Os amigos mais próximos sabem de minha admiração por esse autor. Machado me influenciou enquanto leitor e escritor. Mais do que isso, ele foi e é um exemplo de homem negro que soube, ao seu modo, lutar dentro de uma sociedade racista. Assim, quando estive diante de seus livros, diante daquelas obras que foram manuseadas por ele, me comovi.
Depois, ao iniciar a conferência, falei de como havia chegado na obra de Erico Verissimo. Como sabem, sou carioca. Cheguei ao Rio Grande do Sul aos 13 anos. Entretanto, em minha infância, me lembro dos poucos livros que circulavam em nossa casa. Tínhamos enciclopédias, livros místicos e um livro de Erico: Olhai os Lírios do Campo. Importante dizer que, naquele tempo, nós não tínhamos o hábito da leitura. Os livros cumpriam outras funções como as de segurar o pé da mesa ou impedir que uma janela batesse. Os livros, portanto, eram objetos que nos ajudavam em coisas mais práticas.
Achei curioso que tantos anos depois eu fosse convidado para falar de um autor na ABL e que, de certo modo, estava lá convivendo comigo desde a infância. Quando terminei a palestra, fiquei com a sensação de estar mais próximo de Erico. Era como se, ao falar dele, ele se presentificasse. Em seguida, a escritora Nélida Piñon se aproximou para me cumprimentar pela fala. Depois, segurando uma de minhas mãos, disse com delicadeza e cordura o quanto era importante que as novas gerações de escritores se lembrassem dos que vieram antes e como era necessário falar dos antigos. Achei bonito.
Lembrar dos mais velhos é uma prática das culturas de matriz africana. Mas a lembrança, neste caso, não tem a ver com nostalgia. Tem mais a ver com a presentificação do passado. Trazê-lo à tona de modo que ele interfira no presente. Evocar os que se foram pela palavra, pela literatura, pela arte é um modo de existir duas vezes. Viva Machado, viva Erico Verissimo.