O amor que chega é um assombro. É imprudente. O amor que chega tira sua dignidade. O amor que chega novo em folha é dissimulado e inseguro. O amor que chega é para sempre. O amor que chega é um delírio. O amor que chega é denso. O amor que chega é triste. O amor que chega dói. O amor que chega é a beira do abismo. O amor que chega é impositivo. O amor que chega domina. O amor que chega é frágil. O amor que chega grita. O amor que chega é um raio.
A verdade é que o amor chega muitas vezes na vida. O amor que chega se apresenta como novo, mas é sempre o mesmo. O amor que chega é um truque. O amor que chega é uma ilusão. O amor que chega é um cansaço. O amor que chega é a única verdade. Escrever sobre o amor é sempre arriscado. Porque tantas e tantas coisas já foram ditas sobre ele. Além disso, corre-se o sério risco da pieguice e do lugar-comum.
Estou mergulhado escrevendo meu próximo livro e me deparei com uma cena amorosa. Precisava descrevê-la com intensidade, mas sem exageros. Por isso, toda vez que quero escrever sobre as relações afetivas, recorro ao escritor Roland Barthes. O seu livro Fragmentos de um Discurso Amoroso sempre me atualiza quando quero transformar os afetos em literatura. Barthes não é dramático nem quando fala de amor. Ao lê-lo ganhamos uma certa lucidez.
O autor deixa claro que o amor, como elemento discursivo, que compõe a vida, foi excluído não somente do poder, mas também por seus mecanismos racionais. Barthes é lúcido ao analisar o amor porque propõe uma semiologia dos afetos. Em outras palavras, para Barthes, a linguagem é tão complexa quanto o amor.
Os fragmentos bartheanos demonstram que a linguagem é a própria experiência amorosa. Esse mergulho nas entranhas da linguagem, no mundo do signo amoroso, revela também a falta, a ausência e a dor do desamparo provocado pela perda, seja do ser amado ou do banimento do discurso amoroso das esferas de poder. Barthes pensa os signos linguísticos ao redor do amante, apontando, dessa maneira, que o rumor da língua é também o rumor do coração.
Ainda segundo Barthes, a ilusão que temos do outro pode ser quebrada pela possibilidade do ser amado não corresponder mais àquela imagem que criamos, porque o horror de estragá-lo é ainda mais forte que a angústia de perdê-lo. A boa notícia é que o amor que chega não está interessado em Barthes. O amor que chega é arrogante. O amor que chega desafia a lucidez. O amor que chega pode inclusive provar que Barthes está errado. O amor que chega é um raio. Poderoso e frágil. Como a linguagem e a literatura.