O primeiro livro que ganhei na vida se chamava Decifrando o Futuro (cujo autor não lembro) e foi dado por minha mãe quando eu tinha dois anos. Obviamente eu não sabia ler. No entanto, creio que minha mãe já estava me ensinando algo imprescindível: o futuro é um tempo importante. E, às vezes, é preciso decifrá-lo com o que temos no presente. E não há nada de místico ou de sobrenatural nisso, mas apenas observar o agora e aprender a olhar para frente.
Na semana passada, assisti ao filme A Mão de Deus, do cineasta italiano Paolo Sorrentino, aliás outro forte candidato ao Oscar. Fiquei impactado. Entretanto, não farei uma resenha aqui. Peço apenas que assistam — e se puderem, antes do final do ano. Assim que o filme terminou, pensei que aquela história poderia ser também uma grande metáfora de nosso tempo, pois para além do enredo que traz um adolescente como protagonista e sua tragédia familiar, o filme nos ensina como olhar para o futuro depois de uma grande perda.
Na verdade, A Mão de Deus nos revela com toda a delicadeza que a melhor forma de lidar com a morte de pessoas próximas é celebrando a vida. Sorrentino nos mostra que o luto é necessário porque nos faz olhar para a dor com mais honestidade, mas também nos ensina a olhar para além do que se vê. O luto nos lembra de nossa finitude, uma finitude que um dia chegará também para nós, mas não agora. Não ainda. Por isso é que seguimos. Se 2020 foi o ano da tragédia e 2021, o ano do luto, 2022 se apresenta como uma possibilidade de afagar o futuro.
Na minha última coluna do ano, achei por bem falar sobre o porvir. Este tempo tão maltratado pela pandemia, tempo em que tivemos de encarar o presente com toda a sua crueza. Aprendemos a suportar a passagem das horas, e passamos a olhar para o futuro com cautela e sem grandes planos. Sabemos que do dia 31 para o dia 1º nada mudará como um passe mágica, mas como um rito de passagem, como uma aposta afetiva, decifremos o futuro e talvez ele até seja bom. Feliz 2022.