Fazer uma retrospectiva da própria vida com a chegada do fim do ano é um modo de materializar o que foi vivido e presentificar os momentos que se foram, mas não pode servir como cobrança do que deveríamos ter feito e não fizemos. Para quem já passou dos 30 ou dos 40, com a aparição dos primeiros fios de cabelos brancos, cada ano que passa nos colocamos mais pressão em busca da realização profissional e pessoal.
O aumento das doenças "neurológicas", como esgotamento, depressão, burnout ou TDAH, nos dá o panorama patológico em que estamos metidos. O preço de tanta autocobrança para termos sucesso na vida é o profundo esgotamento e cansaço, pois quando chegamos ao final do ano sem conseguir fazer aquilo que havíamos planejado, quando "falhamos" em nossos projetos pessoais, não costumamos pôr a culpa na estrutura social, mas em nós mesmos, a ponto de nos envergonharmos.
Talvez os consultórios de psicanálise estejam cheios para justamente nos tirar esse peso e essa culpa diante de uma sociedade que nos exige cada vez mais competências e vitórias.
Além disso, hoje ainda precisamos lutar contra o excesso de informação e com nosso tempo nas redes sociais, o que nos leva a uma constante falta de concentração, ansiedade, nervosismo e gastrites. Sofremos uma fadiga existencial provocada por um processo de autoexploração, como sugere o filósofo e ensaísta sul-coreano Byung-Chul Han no livro A Sociedade do Cansaço.
Byung analisa justamente o momento em que passamos a acreditar que o esgotamento de si tornou-se sinônimo de êxito pessoal. Ter sucesso é manter-se ocupado. Encontrar um conhecido na rua e dizer que está "na correria" é um atestado de pessoa que está a caminho do sucesso. Um sucesso que nunca chega. O fato é que o final do ano está aí e creio que devemos nos propor uma outra forma de experimentar a vida, com menos culpa, menos autoexploração, aceitando nossas limitações e com a sensação mais honesta e tranquila de que fizemos o que conseguimos fazer.