Terminei de ler, recentemente, o livro A Fonte da Autoestima, da escritora norte-americana Toni Morrison.
A obra é um conjunto de ensaios sobre política, cultura e arte. Ganhadora do prêmio Nobel de Literatura de 1993, Morrison apresenta em um dos textos, que dá título ao livro, a importância do jazz como um estilo musical fundamental de valorização da cultura negra. Reflete sobre como esse movimento da música serviu de fonte de autoestima para a população afro-americana.
No Brasil, penso que o rap também teve esse papel. O estilo chega ao país em meados dos 1960, espalha-se e logo torna-se uma plataforma de consciência, conectando jovens negros e periféricos a intelectuais progressistas. Sempre achei que o rap teve um espaço importante na minha vida. Entretanto, depois de assistir ao documentário AmarElo: É Tudo pra Ontem, de Emicida, isso ficou mais evidente.
Gravado no Teatro Municipal de São Paulo antes da pandemia, o documentário talvez seja uma síntese do que estou querendo dizer. O filme é uma aula sobre o processo de exclusão da população negra e a importância da cultura do rap como fonte de autoestima e consciência política.
Em certo momento do filme, o rapper declara: “Eu não sinto que eu vim, eu sinto que eu voltei”. A frase revela que a cultura negra não chegou agora. Apesar de o rap se confundir com a MPB, assim como o samba, podemos pensar que o rap faz parte de uma “Música Preta Brasileira”. Aí está nossa fonte de autoestima. Emicida também faz um resgaste de personalidades negras como Wilson das Neves, Cartola, Pixinguinha e Dona Ivone Lara.
Minha educação sentimental e intelectual passou pelo rap. E se hoje me tornei um escritor negro é porque de certo modo as letras dos Racionais MC’s me trouxeram até aqui. Porque lá atrás, nos 1990, quando eu achava que o jazz e o blues não tinham nada a ver comigo, quando não havia espelhos para a cor da minha pele, havia os Racionais.
Era ali que morava a minha coragem.
E como diria Emicida: a gente não tá vindo, a gente tá voltando. E voltando pra ficar.