Digamos que o deputado federal Daniel Silveira, do Rio de Janeiro e da primeira linha da direita nacional, tenha cometido crimes fora de série – tão graves que não deixam nem sequer a possibilidade de fiança por parte do acusado. Mas o deputado não cometeu crime nenhum, nem fora de série e nem de qualquer outro tipo, e muito menos foi pego em flagrante. O que fez foi um vídeo de 20 minutos falando o diabo dos ministros do STF – no qual, entre uma pilha de ofensas pesadas, deixa claro que ficaria muito feliz se todos eles levassem uma surra. É opinião, pura e simples. Pode ser opinião da pior qualidade, mas é isso – opinião.
De qualquer jeito, mesmo que Silveira tivesse praticado algum crime definido como hediondo, esses que vão do racismo e da prática de tortura ao terrorismo e o tráfico de drogas, só poderia ser julgado e punido pela Câmara dos Deputados – e não preso pela polícia de madrugada por ordem de um ministro do STF, com o aval de seus dez colegas. Eis aí um erro em estado puro e sem atenuantes.
É simples. No artigo 53 da Constituição Federal está escrito, da maneira mais clara possível, que os mandatos dos parlamentares brasileiros são invioláveis; podem até ser cassados, caso o plenário achar que romperam com as suas obrigações por qualquer razão que seja, mas é só o Congresso que pode fazer isso.
No caso do deputado Silveira, especificamente, a Comissão de Ética, e em seguida o plenário da Câmara, podem considerar que as suas palavras caracterizam injúria aos ministros do STF, ou incentivo à violência; podem achar que ele se conduziu de maneira desastrosa e que, por isso, merece ser punido com a suspensão ou a perda do seu mandato.
Tudo bem – mas o STF não tem nada a ver com isso. Pode ser vítima e, nessa condição, apresentar suas queixas. Mas não pode ser juiz.
O Estado de Direito no Brasil vem sendo agredido de forma sistemática e deliberada por um dos três poderes constitucionais – o Judiciário, que é justamente aquele que tem por dever principal garantir que as leis do país sejam respeitadas e que os dois outros poderes obedeçam a Constituição.
A prisão arbitrária e ilegal do deputado Silveira é apenas mais um chute no pau da barraca da democracia brasileira. Para resumir a opera: há dois anos inteiros, desde março de 2019, o STF conduz um inquérito policial inteiramente fora da lei, sem indiciados, sem um crime específico a apurar, sem prazo para terminar, sem direito de defesa para os acusados.
Um Congresso Nacional e um Poder Executivo que ficam o tempo todo de quatro diante desse Judiciário, em nome das “instituições”, da “harmonia entre os poderes” e da paz universal, não estão apaziguando nada, nem ninguém, com o seu comportamento. Só têm deixado o STF com um apetite cada vez maior.