As mães são culpadas. Sei que muita gente vai ficar agastada com essa minha acusação, porque as mães granjeiam de grande popularidade, graças a um competente trabalho de marketing de milênios. Mas é verdade. Freud, inclusive, já havia descoberto: a culpa de quase tudo é das mães.
Eu mesmo, vou contar algo sobre minha mãe, Dona Diva. Eu, se falasse algo impróprio, era censurado com severidade. Se repetisse, levava um puxão de orelhas daqueles de o lóbulo ficar latejando e fervendo. E, se voltasse a incorrer no erro, bem, aí a punição era pior que a solitária: a mãe me esfregava pimenta malagueta na boca! Uma ardência horrorosa, minha avó se compadecia e me acudia com pedaços de chocolate branco que ela guardava para essas situações de conflito familiar. Talvez seja por isso que cresci preferindo os chocolates brancos.
Hoje, chamariam o Conselho Tutelar para reprimir a minha mãe, mas creio que funcionou – eu tentava me comportar. Nem sempre conseguia, mas tentava.
O curioso é que, tempos atrás, passei uma descompostura no meu filho por alguma arteirice que ele fez e minha mãe reclamou:
_ Não seja tão duro com ele.
Arregalei os olhos:
_ Mãe! Eu só xinguei o guri! Se fizesse o mesmo, tu me batia com vara de marmelo!
Ela deu de ombros:
_ Ah, eram outros tempos...
O fato é que, naqueles tempos, as crianças eram mais educadas e, sendo assim, cresciam como adultos mais educados. Mas nem todos. Alguns meninos criados naquela época, e depois também, se transformaram em adultos malcriados, maus filhos que envergonhariam boas mães.
Esse deputado que foi preso, Daniel Silveira, é um. Não vou nem entrar na discussão política, seria alongar demais o texto. Quero me ater à maneira como ele se expressa: trata-se de um rapaz agressivo, grosseiro, arrogante e ofensivo. Alguém a se evitar.
Esse, aliás, é o modus operandi da nova direita. Dos mais cultos, como Olavo de Carvalho, aos mais folclóricos, como aquele ministro da Educação que dançou com um guarda-chuva, passando pelo próprio Bolsonaro, quase todos são mal-educados. Será que ninguém diz a eles que é feio o que fazem?
Feio. Foi importante ter escrito “feio”. Era o predicado que, quando a minha mãe o usava, se fazia mais eficiente do que a pimenta malagueta. Ela balançava a cabeça e murmurava “que feio, David”, e isso me enchia de vergonha. Era pior do que um tapa na cara.
Você viu trechos do vídeo daquela famosa reunião ministerial de abril do ano passado, aquela que foi divulgada pela Justiça? Palavrões, insultos, vulgaridade. E era o presidente da República com seus ministros!
Existe à disposição, nos escaninhos da Internet, a gravação de áudio de outra reunião de alta cúpula do governo, realizada em dezembro de 1968. A malfadada reunião em que foi instituído o AI-5. Nela, todos falaram, inclusive o presidente Costa e Silva. Deixaram claro que o que se fazia ali era a implementação da ditadura no Brasil. Ou seja: o conteúdo da reunião foi escandaloso. Mas a forma, impecável. Ninguém se alterou, ninguém proferiu impropérios. Foram autoritários, porém polidos.
Quer dizer: a direita nem sempre foi ignorante, no Brasil. Havia um Roberto Campos com sua experiência cosmopolita, um Simonsen com seu conhecimento operístico, um Delfim com seus 350 mil livros. O que será que o sóbrio Geisel diria das maneiras dos integrantes da nova direita brasileira?
É chocante ver como se expressam as autoridades nacionais. E mais chocante ainda ver claques aplaudindo esse comportamento. Falta mãe a essa gente. Uma mãe que lhes olhe com firmeza e pergunte, simplesmente:
_ Tu acha que é bonito isso que tu fez?
Talvez funcionasse. Talvez eles se envergonhassem. Caso contrário, o jeito é apelar para a pimenta malagueta.