Nem todo mundo quer dinheiro para comprar coisas e viver uma boa vida. Não. Tem gente que gosta do dinheiro pelo dinheiro. É um sentimento parnasiano, a pessoa se realiza apenas em acumular, em saber que tem cada vez mais.
Há, também, gente que gosta do dinheiro para comprar gente. Parece generosidade, quando é investimento: a pessoa está em busca de respeito, de prestígio, de poder ou de afeto.
O personagem da série de TV que indiquei outro dia, o bicheiro Castor de Andrade, fazia isso. Ele distribuía dinheiro e, em troca, recebia a admiração e, não raro, o amor – Nelson Rodrigues estava certo quando disse que dinheiro compra até amor verdadeiro.
Na série, é divertido ver os entrevistados contando como receberam pacotes ou malas de dinheiro de Castor e, depois, elogiando-o com sincero entusiasmo. “Foi uma pena que ele morreu”, lamentou um. “Devia haver uma lei: ‘O Castor não pode morrer...”
O cantor Agnaldo Timóteo relatou que, um dia, pediu ajuda para sua campanha política. Castor mandou que fosse ao seu escritório. Chegando lá, o bicheiro pegou uma sacola de supermercado e a alcançou ao cantor-candidato. Dentro havia 25 mil dólares tinindo de verdes. Timóteo ficou emocionado com o gesto. No velório de Castor, cantou “Ave Maria” ao pé do caixão. No documentário, suspirou, com voz embargada:
_ É bom lembrar das pessoas que a gente amou tanto...
Timóteo parecia sincero. Mas, claro, ninguém é capaz de dizer se seu amor seria tão sólido, caso naquela sacola houvesse 500 dólares em vez de 25 mil.
Um ex-jogador do Bangu lembrou que, uma noite, Castor apareceu na concentração e ele reivindicou algum para motivar o grupo. Castor ergueu uma sobrancelha:
_ Ah, vocês querem dinheiro?
_ Sempre, Doutor Castor.
_ Espera aí, então.
E dirigiu-se a uma mala que estava no canto da sala. Dela tirou uma metralhadora, que sobraçou, apontou para frente e puxou o gatilho. Disparou uma rajada na parede.
_ Toma o dinheiro de vocês!
Saíram todos correndo e foram se homiziar em seus quartos, trêmulos. Castor riu, guardou a metralhadora e avisou:
_ Mas vou dar dinheiro mesmo assim.
Então, sacou de alguns maços e ordenou que fossem distribuídos aos jogadores.
Um diamante de psicologia de grupo, esse episódio. Mostra que Castor queria ser amado, mas jamais deixar de ser temido.
Castor compreendeu que havia um caminho aberto para o coração da sua comunidade: o Carnaval e o futebol. Tornou-se patrono do Bangu e da Mocidade Independente, que cevava com seu dinheiro egresso da contravenção. No Bangu, seu modus operandi era exemplar: os jogadores ganhavam salários baixos e “bichos” altíssimos. Desta forma, os mantinha sob controle – eles sempre dependiam da boa vontade do cartola.
É a lógica perfeita do populismo. Políticos populistas dão dinheiro, benesses e favores ao cidadão pobre, que, por ser pobre, precisa do que ganha e, assim, torna-se agradecido e lhe devota apreço sincero: “Esse pode ser desonesto, mas pelo menos faz algo por mim”. E tudo continua como sempre foi, e nada muda no país do Carnaval.