Assim, depois de 75 anos de uma vida farta de cores e amores, e rasa de dores, Nelson Motta sentou-se diante do laptop para escrever sua biografia. Fez reflexões criteriosas acerca de tudo o que lhe aconteceu. Tirou uma conclusão.
E errou.
Nelson Motta, homem de muitas profissões (jornalista, produtor musical e compositor, entre outras) e muitas mulheres (Marília Pera, Elis Regina e Constanza Pascolato, entre outras), acredita que o grande atributo que rege a sua existência é... a sorte.
Quantas vezes ele escreve a palavra “sorte” em mais de 450 páginas, eu é que não me darei o trabalho de contar, mas são dezenas, talvez centenas de menções a episódios em que o fortuito supostamente teria interferido em seu favor. O título do livro já resume essa crença. É a expressão popular (desculpem-me os leitores mais pudicos) “De cu pra lua”.
Mas basta ler o livro para entender que ele está equivocado sobre sua trajetória. Verdade que Nelson Motta contou com a sorte original de ter nascido numa família de posses e bem estruturada, com contatos nos centros importantes do Brasil. Essa presumida vantagem, porém, é a de muitos outros personagens que não tiveram bom sucesso na vida, como ele teve.
O que beneficiou Nelson Motta foram seus méritos. Em especial UM mérito: Nelson Motta é boa gente. Ele não fala mal de ninguém, ele sempre procura o lado positivo nas pessoas, ele está sempre sorrindo. Você já viu, alguma vez, Nelson Motta fazer uma crítica maliciosa a algum músico ou cantor? Nunca, ele é só louvação.
É um comportamento que corresponde à sua personalidade afável, claro, mas também é algo de caso pensado. O pai de Nelson Motta já lhe aconselhava a “falar bem das pessoas pelas costas”, porque algum dia elas iriam tomar conhecimento do elogio e ficar agradecidas a ele.
Profissionalmente, Nelson Motta tomou a decisão de só discorrer do que gostasse. Ou seja: se visse um show ou ouvisse uma música e achasse ruim, ele não publicaria nada a respeito. O máximo da sua desaprovação seria o silêncio. Mas, se achasse bom, teceria loas ao artista.
É uma sabedoria.
Porque tudo, afinal, tem seu lado bom e seu lado ruim. Você pega o que escolher. Nelson Motta pega o lado bom. As pessoas perceberam isso, e o recompensaram com amizade, com simpatia e com favores. A todo momento alguém lhe dá algo ou lhe abre uma porta. A todo momento alguém facilita as coisas para ele. Porque Nelson Motta é agradável e decente e, mais importante, é inofensivo. As pessoas não têm medo dele e, não tendo medo, oferecem-lhe espaços a ocupar. Que Nelson Motta ocupa com alegria.
Além do conteúdo, a forma da biografia demonstra essa preocupação perene de Nelson Motta. Para ser menos protagonista da sua própria história, ele escreve na terceira pessoa. O que incomoda o leitor que, numa autobiografia, procura exatamente o relato pessoal. Mas até esse defeito serve para mostrar como ele prefere tirar o ego do caminho para deixar a vaidade alheia passar.
Para arrematar, Nelson Motta chama a si mesmo de “Nelsinho”, quase que numa autoindulgência. Quer dizer: ele ainda se vê como “apenas um rapaz de sorte”.
Não é. É bem mais do que isso. Nelson Motta é boa gente. Parece pouco, mas faz toda a diferença.