O Equador só não se tornou um narcoestado porque políticos têm se unido para enfrentar o crime organizado. Mas esse, não duvidem, é o projeto dos cartéis que fizeram daquele país andino uma plataforma internacional para exportação de drogas, armas, mercadorias sonegadas e tráfico humano.
É milenar a noção de que que, quanto menor um lugar, mais fácil de dominar. Deve ser isso que levou os principais cartéis mexicanos e colombianos a colocarem suas garras no Equador. O primeiro grupo domina a importação de cocaína para a América do Norte, de onde ela é enviada à fronteira com os EUA, para abastecer o voraz mercado norte-americano. O segundo controla a produção de coca e sua exportação até o México.
Acontece que tanto a Colômbia quanto o México estão entre os países mais vigiados pelas agências internacionais de combate às drogas. Isso estimulou os cartéis a postarem fichas no plantio de coca na Bolívia e Equador. Sendo que o território equatoriano virou principal ponto de embarque da cocaína para a América do Norte.
Isso é feito sobretudo na região de Guayaquil (o "Rio de Janeiro" equatoriano, maior até que a capital, Quito) e Esmeraldas (província do norte do Equador, rica em pedras preciosas, como o nome indica). A cocaína é enviada em frotas de barcos pesqueiros acostumados à navegação em alto-mar. Sai pelo Oceano Pacífico e viaja pelo menos 3 mil quilômetros até o México.
Longe? Talvez. Mas nada que assuste marinheiros experientes. Lembre-se que barcos pesqueiros do Rio de Janeiro costumam realizar pesca no litoral gaúcho, a até 200 quilômetros da costa. Temem mais os adversários humanos do que o mar traiçoeiro.
O presidente equatoriano Daniel Noboa, recém-eleito e acossado pela maior demonstração de força do crime organizado já feita na América do Sul, disse que a situação é de "conflito armado interno". Ele adotou toque de recolher, prisões sem ordem judicial e prometeu "neutralizar" 22 facções criminosas do Equador.
Um dos principais motivos da ofensiva dos criminosos seria a cogitação, por parte do presidente, de adotar em seu país o modelo que vigora em El Salvador: prisões em massa, em penitenciárias de segurança máxima. Estimativas apontam que 2% da população salvadorenha está no cárcere (a maior taxa do mundo). Noboa também cogita criar barcos-prisões para colocar prisioneiros a 80 milhas da costa.
As duas principais facções do Equador são Los Choneros e Los Lobos. A primeira é a extensão equatoriana do Cartel de Sinaloa, mundialmente famoso por ser liderado pelo mexicano El Chapo Guzmán, o homem que fugiu duas vezes de penitenciárias de segurança máxima (hoje extraditado e cumprindo pena nos EUA).
A segunda, Los Lobos, está envolvida em extorsões do setor mineiro (muito forte no Equador) e, obviamente, no tráfico de drogas. Nesse tipo de crime, Los Lobos seria o braço equatoriano de um dos mais poderosos cartéis do México, o Jalisco Nueva Generación (CJNG).
Ou seja, os mexicanos terceirizaram sua guerra interna para seus proxys no Equador, como mostrou meses atrás o site Insight Crime, um dos mais respeitados de análise sobre crimes na América. As demais quadrilhas são regionais e se abastecem de drogas e armas controladas pelas duas grandes facções. Los Lobos e Los Choneros têm o hábito de se digladiarem inclusive dentro dos presídios. Foram 315 mortos apenas em 2021.
O interessante e lamentável nesse momento é que o governo equatoriano está acossado pelas duas grandes facções criminosas, ao mesmo tempo. Você já viu algo assim, na Colômbia, quando os governantes tiveram de lidar ao mesmo tempo com dois grupos sanguinários (e rivais entre si), os cartéis de Cali e Medellin.
Pois o Equador parece repetir a Colômbia dos Anos 90, inclusive com assassinatos de candidatos a presidente e tiros sistemáticos contra policiais. A história vai se repetir? Tomara que apenas como farsa.