A primeira impressão é que o Equador se desmancha a olhos vistos. O mundo assistiu nos dois últimos dias a um governo acossado pelo crime organizado, talvez sem precedentes. Agentes penais espancados, enforcados e fuzilados dentro de presídios. Programa de TV interrompido ao vivo por bandidos mascarados com metralhadoras na mão. Estudantes encurralados por quadrilhas na universidade. Confesse, você já tinha visto algo assim, tudo num só momento? Nem em país em guerra, creio.
E guerra é o nome que o presidente equatoriano Daniel Noboa deu ao que seu país vivencia. Usou o eufemismo "conflito armado interno" para justificar a adoção de medidas autoritárias. O chamado "Estado de Exceção" determina toque de recolher entre 23h e 5h (ninguém nas ruas na madrugada) e permite às Forças Armadas e à Polícia Nacional entrarem na casa de qualquer cidadão suspeito de cometer crimes, sem ordem judicial.
Estado de exceção está longe de ser algo estranho aos equatorianos, admite o experiente jornalista equatoriano Esteban Ávila, que concedeu detalhada entrevista à Rádio Gaúcha nesta quarta-feira (10). Ele ressalta que os equatorianos estão acostumados a isso pelas seguidas crises políticas vividas no país.
E aí entramos num ponto que ajuda a explicar a deterioração do acordo social no Equador. O menor país andino nunca foi um primor de estabilidade política. Desde os Anos 60 do século 20 a maioria dos presidentes não dura três anos no cargo. De 2021 a 2023, para ficar no período mais recente, teve três presidentes. Pior que isso só entre 1996 e 1998, quando teve QUATRO PRESIDENTES EM DOIS ANOS (uso letras maiúsculas porque é espantoso). Todos afastados pelo Congresso. No passado recente, vários receberam ordem de prisão após saírem do cargo, como é o caso de Gustavo Noboa, pai do atual presidente, Daniel Noboa.
Estive no Equador duas vezes, enviado pela RBS. A primeira, em 1999, recém terminada a dança dos quatro presidentes em dois anos. Na outra, em 2010, porque militares tentaram um golpe de Estado contra o esquerdista Rafael Correa. Quando cheguei ao centro de Quito, o presidente estava entrincheirado no palácio, cercado por militares. A porção legalista das Forças Armadas se impôs e ele resistiu. Ficou 10 anos no poder. Foi um exemplo longevo, mas a tradição se impôs: Correa foi condenado a oito anos de prisão por corrupção, está com a prisão decretada em seu país e se refugiou na Europa.
A novidade é que o submundo decidiu disputar com os políticos quem leva mais instabilidade ao país. Na realidade, os cartéis de drogas se aproveitam da fragilidade institucional equatoriana. Tanto que fuzilaram dois candidatos nas últimas eleições, inclusive um concorrente à Presidência, o jornalista Fernando Villavicencio. Querem garantias para tocar seus negócios. Um dos cartéis anunciou ter assassinado o candidato porque ele cogitava não cumprir promessas de melhores condições aos presidiários.
O Equador tem uma das mais altas taxas de assassinatos na América: 40 mortos por 100 mil habitantes/ano. Só que chega a 80 homicídios por 100 mil habitantes em algumas províncias, como Esmeraldas (marcada por selva e extração de pedras preciosas) e Guayaquil (grande cidade litorânea, o "Rio de Janeiro" equatoriano). Para efeitos de comparação: o México, mundialmente famoso pela violência, apresenta taxa de 29 homicídios por 100 mil habitantes. Até por isso, ressaltou o jornalista Esteban Ávila, os equatorianos apresentam o mais alto risco país da América Latina.
Resta saber se as medidas de exceção decretadas por Noboa farão algum efeito, num país em que o desassossego é rotina.