Uma crise de segurança pública no Equador se agravou no domingo (7), após a fuga da prisão de José Adolfo Macías Salazar, conhecido como Fito e líder de Los Choneros. Ele comanda a principal quadrilha criminosa do país ligada ao narcotráfico.
Desde a fuga de Fito, policiais foram sequestrados, mais presos fugiram e ataques com explosivos e carros-bomba foram registrados em diversas cidades equatorianas. Em razão do terror promovido pelos criminosos, na segunda-feira (8) o governo equatoriano decretou estado de exceção por 60 dias.
Na terça-feira (9), uma emissora de TV foi invadida e atacada durante transmissão ao vivo. Em razão disso, o presidente do Equador, Daniel Noboa, declarou “conflito armado interno” no país. A medida busca fortalecer o enfrentamento aos traficantes e “neutralizar” as organizações criminosas.
O desenrolar da crise
Domingo, 7/1
Governo confirma que o narcotraficante José Adolfo Macías Salazar, conhecido como Fito e líder de Los Choneros, a maior gangue do país, havia fugido da cadeia.
Autoridades equatorianas dizem que dois carcereiros são acusados de envolvimento na fuga. Governo envia policiais para recapturar o líder do grupo criminoso.
Alertas sobre o paradeiro desconhecido do criminoso começaram a surgir.
Segunda-feira, 8/1
Pelo menos seis presídios registram rebeliões, com retenção de agentes penitenciários por detentos e queima de colchões.
Na Prisão Regional, onde estava Fito, detentos escrevem "Papa Fito" no pátio do complexo prisional. Em um campo esportivo do mesmo complexo, pintam "Con Fito sembramos paz" ("com Fito semeamos paz", em português).
Na cidade de Machala, três policiais são sequestrados. Um quarto sequestro ocorre na capital do país, Quito. Este último agente é levado por três criminosos que conduzem um "veículo com insulfilme e sem placa", informa a polícia local.
Ainda em Quito, um veículo explode e um dispositivo é detonado perto de uma ponte de pedestres. O prefeito da cidade, Pabel Muñoz, pede ao Executivo a "militarização" de instalações estratégicas ante a "crise de segurança sem precedentes".
Há explosões também em Esmeraldas, uma cidade próxima da fronteira com a Colômbia, uma das províncias equatorianas controladas por máfias.
Um artefato explosivo é lançado perto de uma estação policial e dois veículos são queimados em outros locais, sem deixar vítimas.
O presidente Daniel Noboa decreta estado de exceção no país. O decreto permite a ação das Forças Armadas no sistema prisional equatoriano e instala um toque de recolher entre 23h e 5h. O estado de exceção de Noboa vale por 60 dias.
Terça-feira, 9/1
Autoridades relatam a fuga de outro líder do tráfico: Fabricio Colón Pico, um dos líderes de Los Lobos. Ele havia sido preso na sexta-feira pelo crime de sequestro e suposta responsabilidade em um plano para assassinar a procuradora-geral.
A violência continua pelas cidades equatorianas. Homens encapuzados, armados com fuzis e granadas, invadem uma transmissão ao vivo do canal de TV público TC em Guayaquil. O bando deixa uma dinamite na recepção e faz os profissionais da emissora reféns, informam autoridades locais.
Disparos são ouvidos no estúdio principal e funcionários da emissora usam um grupo de WhatsApp para pedir ajuda: "Socorro, eles querem nos matar", diz mensagem.
— Estamos no ar para dizer que não se brinca com a máfia — diz um dos criminosos durante transmissão ao vivo.
Depois de cerca de duas horas, a situação é controlada. Treze pessoas que invadiram os estúdios são capturadas.
Relatos apontam que criminosos invadiram também uma universidade em Guayaquil, que suspendeu as aulas.
Noboa decreta “conflito armado interno”, declarando facções criminosas como organizações terroristas. “Ordenei às Forças Armadas que realizem operações militares para neutralizar esses grupos”, escreveu na rede social X (antigo Twitter).
Noboa lista 22 facções criminosas como terroristas, que estariam ligadas aos ataques, e autoriza as Forças Armadas do Equador a agir para combater os grupos.
A medida autoriza, entre outras coisas: a intervenção do Exército e da Polícia Nacional no país contra facções criminosas; identifica como organizações terroristas 22 facções criminosas e "atores beligerantes não estatais"; determina às Forças Armadas a execução de operações militares para "neutralizar" os grupos criminosos, "respeitando os direitos humanos".
O filho de um brasileiro no Equador publica um vídeo nas redes sociais para denunciar o sequestro do pai. Em vídeo, o jovem conta que Thiago Allan Freitas, 38 anos, foi sequestrado na manhã de terça-feira e que os criminosos pediam recompensa pela libertação.
"Estamos desesperados. Não temos como fazer. Já pagamos US$ 1,1 mil, mas estão pedindo US$ 3 mil. Peço que nos ajudem. Muito obrigado", diz o jovem em vídeo postado no Instagram.
Governo brasileiro manifesta preocupação e condena a onda de ataques, sequestros e execuções indiscriminadas contra civis e policiais no Equador. Em nota do Itamaraty, o governo federal expressa solidariedade ao governo do presidente Daniel Noboa e ao povo equatoriano.
A Embaixada do Brasil em Quito diz que tenta verificar informes de que poderia haver um cidadão brasileiro entre os sequestrados no país.
Quarta-feira, 10/1
Conselheiro da Embaixada do Brasil no Equador, Afonso Nery, confirma o sequestro de Thiago Allan Freitas. O brasileiro é casado com uma equatoriana e é proprietário de uma churrascaria em Guayaquil.
Durante a noite, o irmão de Thiago, Eric Lorran Vieira, divulga em um vídeo que o brasileiro havia sido solto. Mais tarde, o Itamaraty confirma a informação com autoridades policiais equatorianas.
"O meu irmão está bem, está com os policiais. Os policiais fizeram uma ligação de vídeo. A gente com aquela tremedeira, com medo de ser outra pessoa fingindo ser os policiais. Atendemos e estamos com a notícia maravilhosa de que meu irmão está bem, está a salvo, está sendo encaminhado para ficar com a família dele agora. Conseguimos salvar uma vida", afirma o irmão de Thiago em um vídeo logo após a libertação.
Governo do Peru declara estado de emergência na fronteira com o Equador para que militares reforcem a segurança da região com a polícia.
Mensagens de preocupação sobre a situação do Equador e apoio ao país são emitidas pelos Estados Unidos e pela Bolívia.
Quinta-feira, 11/1
O brasileiro que foi sequestrado por criminosos fala publicamente sobre o ocorrido. Em um vídeo publicado nas redes sociais, Thiago Allan Freitas agradece a ajuda financeira recebida para o pagamento do resgate, além do apoio e carinho.
Informações sobre o sequestro são divulgadas. Investigação aponta que o brasileiro teria sido sequestrado durante a negociação de compra de um carro. Ele teria perdido o contato com a família após marcar um encontro com o vendedor.
Segundo entrevista de um familiar de Thiago ao jornal O Globo, as investigações apontam até o momento que o sequestro do brasileiro não teria relação com o conflito interno do país.
Entenda o que está por trás da onda de violência
Contexto histórico
O Equador fica situado entre os maiores produtores de cocaína do mundo, Colômbia e Peru. Há anos, o país tem exercido o papel de ponto de exportação de ilícitos para a América do Norte e a Europa. A violência do narcotráfico escalou a partir de 2018, inicialmente, restrita aos presídios, onde diversas gangues disputavam o mercado de drogas.
O governo perdeu o controle do sistema carcerário e facções internacionais viram no caos uma oportunidade. Esses grupos de outros países passaram a unir forças com quadrilhas dos presídios e das ruas, desencadeando uma onda de violência.
Desde 2021, os confrontos entre presidiários deixaram mais de 460 mortos. Além disso, os homicídios nas ruas entre 2018 e 2023 cresceram quase 800%, passando de seis para 46 por 100 mil habitantes.
Em 2023, criminosos assassinaram a tiros o candidato presidencial Fernando Villavicencio após um comício. Ele lutava fortemente contra a corrupção. O ano de 2023 terminou com mais de 7,8 mil homicídios e 220 toneladas de drogas apreendidas, novos recordes no país de 17 milhões de habitantes.
Mudança de governo
Esta é a primeira crise que o presidente, Daniel Noboa, enfrenta após assumir o poder em novembro. Noboa, 36 anos, é o presidente mais jovem do Equador e chegou ao poder com a promessa de atacar com firmeza os grupos de traficantes, ligados a cartéis colombianos e mexicanos.
Na semana passada, ele anunciou que construirá dois presídios de segurança máxima nas províncias de Pastaza (no Leste) e Santa Elena (no Sudoeste), ao estilo das construídas pelo presidente salvadorenho, Nayib Bukele, em sua guerra contra as gangues.
O governo não divulgou até agora um balanço de ataques pelo país, mas, segundo a imprensa local, eles ocorrem em diversas cidades. Também ainda não há informações oficiais sobre a autoria dos ataques nem sobre a motivação dos grupos.
Fito, o criminoso
José Adolfo Macías Salazar, conhecido como "Fito", 44 anos, é agora o fugitivo mais perigoso do Equador após sua fuga da prisão, onde comandava a principal gangue criminosa do país, Los Choneros. Autoridades disseram que dois carcereiros foram acusados de envolvimento na fuga. O governo equatoriano enviou 3 mil policiais para recapturar o líder do grupo criminoso.
Pouco se sabe sobre o líder de Los Choneros além do seu passado como taxista e de sua capacidade para desafiar a lei. O governo o classifica como um "criminoso com características extremamente perigosas".
Ele assumiu o comando da organização em 2020, após as mortes de seus amigos Jorge Luis Zambrano, conhecido como "Rasquiña", e Junior Roldán, o "JR". O novo chefe se formou em Direito na prisão, onde cumpria uma sentença de 34 anos por crimes como posse de armas, tráfico de drogas, crime organizado e assassinato.
Nas redes sociais, os Los Choneros se apresentam como benfeitores ao estilo de Robin Hood e produzem seus próprios videoclipes que exaltam o narcotráfico. Eles ameaçam jornalistas e lançam advertências a outros grupos com ritmos urbanos.
Visto pela última vez barbudo e com cabelos desgrenhados, o temido líder passou de protagonizar virais de rap no submundo do crime a ser novamente destaque na mídia após o assassinato do candidato presidencial Fernando Villavicencio, que o acusou de tê-lo ameaçado uma semana antes de ser baleado em agosto por um sicário colombiano.
A justiça não o condenou por esse crime, mas o governo do então presidente Guillermo Lasso (2021-2023) ordenou sua transferência para uma prisão de segurança máxima, em uma operação das forças públicas que gerou protestos dos detentos.
Fito retornou pouco tempo depois ao seu feudo na Prisão Regional de Guayaquil por meio de recursos jurídicos. Em 2013, ele já havia escapado, mas sua travessia durou apenas três meses.