A jornalista Carolina Pastl colabora com a colunista Gisele Loeblein, titular deste espaço.
É ainda no campo, com as suas próprias sementes de trigo espalhadas pela terra no interior do Rio Grande do Sul, que começa a "fornada" de uma padaria em São Paulo. A dona do A Padeira resolveu encurtar o caminho entre a lavoura e a cozinha e há dois anos a gerenciar todas as etapas da linha produtiva, da terra ao prato. A parceria com um agricultor gaúcho permite a produção da matéria-prima, o trigo, sob medida. E a moagem da farinha, o cultivo do fermento e o manuseio de cada fornada, até o pão chegar na mão do consumidor, completam o trabalho de resgate da fermentação natural longa, de 48 horas.
A proprietária Alethéa Suedt conta como resolveu apostar nesse modelo para conduzir o negócio:
— Desde o início do curso de gastronomia, percebi que tinha facilidade em fazer pão, mas queria algo mais ancestral, que trouxesse o resgate para a simplicidade do pão, valorizar o alimento mais antigo do mundo. Não queria algo industrial. E foi aí que comecei a ver que essa técnica tinha caído em desuso no Brasil.
Ela, então, decidiu viajar à França, país tradicional na área da panificação, para se especializar. Lá, viu pela primeira vez uma lavoura de trigo. "Foi amor à primeira vista", brinca.
— Estávamos na estrada indo para o curso quando vi um campo dourado de ponta a ponta. Era lindo, lindo, lindo. Mandei parar o carro e fui ver aquilo lá de perto. Nunca tinha visto, porque aqui é tudo separado. Não se vê o trigo na hora de fazer o pão e muito menos ao consumi-lo — completa.
Chegando ao Brasil, Alethéa decidiu que esse seria o caminho: unir toda a cadeia produtiva, de ponta a ponta. Procurou, então, um agricultor que topasse produzir o cereal com um manejo que ela definiu como "consciente" — com o uso de químicos apenas se necessário. No meio desse trajeto, em 2019, também encontrou na Biotrigo Genética, empresa de Passo Fundo, uma parceria que dura até hoje. Enquanto o produtor rural cultiva o cereal, a empresa de melhoramento fornece as cultivares mais adequadas para os tipos de fornadas que a padaria quer fazer.
— Com uma cultivar faço o meu croissant porque ela vai fornecer a elasticidade que eu preciso para o preparo. Com outra, outro tipo de pão. Busco no campo a mesma qualidade que eu tenho na minha padaria, porque os produtores de trigo são tão padeiros quanto eu — salienta Alethéa, eleita a melhor padeira de SP pela revista Comer & Beber 2019/2020.
Atualmente, é de sete hectares de uma família de agricultores de Ibirubá, no noroeste do Estado, que vem o trigo que abastece a padaria. A demanda é de seis toneladas. Com esse volume de cereal, é possível preparar 600 unidades de pães por semana.
Filho de agricultor e engenheiro agrônomo, Lucas Rohr conta que a família está realizada com a parceria:
— É um nicho de mercado que vemos que dará muito certo ainda. Vemos como um ramo de negócio que para a propriedade. Queremos plantar mais áreas e fazer parcerias com outras padarias.