A jornalista Bruna Oliveira colabora com a colunista Gisele Loeblein, titular deste espaço.
Conforme avança a colheita, vão se desenhando retratos mais fiéis da dimensão de quebra na produção de trigo na Argentina. Maior fornecedor do cereal ao Brasil e grande exportador mundial, o país vizinho enfrentou uma série de adversidades climáticas ao longo do ciclo, como seca e geada, responsáveis por fazer encolher drasticamente a safra este ano. Levantamentos das últimas semanas apontam para redução de 37,5% no total a ser colhido.
De acordo com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Esalq/USP, a projeção trazida pela Bolsa de Cereales argentina já reduz as expectativas para 14 milhões de toneladas colhidas – na temporada anterior, foram 22,4 milhões de toneladas. Confirmadas as estimativas, será a pior safra de trigo em sete anos no país.
Mas o cenário de perdas enfrentado pelos hermanos é de oportunidade para o Rio Grande do Sul. O Estado se prepara para colher a sua maior safra da história na commodity de inverno. Conforme a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) a produtividade no Estado pode passar de 3,1 mil quilos por hectare.
Segundo fontes do setor, a colheita menor na Argentina deve garantir competitividade ao trigo gaúcho no mercado internacional. Não só pela safra farta, mas principalmente pela produtividade do cereal.
— Graças a um trabalho extenso, estamos inseridos no mercado internacional do trigo. Antes, a quebra na Argentina não teria impacto para a gente. Agora, a frustração de um exportador mundial cria oportunidade para outro, como será para o RS — avalia Paulo Pires, presidente da Federação das Cooperativas Agropecuárias do Rio Grande do Sul (Fecoagro-RS).
A janela para bons negócios não vem só da frustração argentina. O Paraná, até então maior produtor nacional de trigo, também enfrenta problemas devido ao excesso de chuvas e deve colher cereais de menor qualidade nesta safra. Mesmo quadro enfrentado pelo Paraguai, outro país vizinho que também deve registrar perdas por causa da umidade.
No caso da produção nacional, apesar das perdas no Paraná, a safra gaúcha de excelente qualidade deve sustentar o desempenho recorde da colheita brasileira. A Conab, no seu último levantamento, projetou que 9,5 milhões de toneladas do cereal sejam colhidas ao final do ciclo — valor 23,7% maior que o ciclo anterior.
Novamente, a mudança de posição entre os maiores produtores traz boas expectativas ao RS:
— Também cria oportunidade para nós, na semente e nos moinhos, apesar de que aqui apanhamos na questão tributária, que nos tira a competitividade internamente — completa Pires, citando que para estados do Nordeste, por exemplo, é mais viável importar trigo de fora do que comprar do RS.
Fato é que o Rio Grande do Sul vem colhendo o que plantou, como diz o ditado.
Para Hamilton Jardim, presidente da Comissão de Trigo da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) e da Câmara Setorial do Trigo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), a safra histórica que se projeta no Estado é resultado de trabalho para incentivar a cultura.
— O Rio Grande do Sul fez a sua parte. Tentou buscar recuperação de renda investindo no inverno depois da estiagem do verão e aproveitando, logicamente, o clima que foi favorável, a tecnologia disponível e os preços relativamente bons. Olhando esse cenário de quebra brusca na Argentina, de redução no Paraná e no Paraguai também, tem todo um cenário positivo para o Estado. Com números que, ao que tudo indica, ainda podem aumentar no decorrer da colheita — avalia Jardim.
O dirigente ainda destaca que a alta produtividade alcançada impulsiona o plantio da cultura para os próximos anos. O incremento nos plantios de inverno, caso também da canola, reduz a dependência do Estado nos grãos de verão, como a soja.