A jornalista Bruna Oliveira colabora com a colunista Gisele Loeblein, titular deste espaço.
Já são mais de 20 anos de imersão no mundo do agronegócio com um propósito que parece primordial: comunicar. Esse é o trabalho do intérprete de conferências Walter Estella, que tem a missão de traduzir em uma linguagem simples e efetiva as conversas entre empresas e produtores rurais, muitas vezes de realidades distintas. E tudo em tempo real.
O profissional acompanha agricultores que viajam ao Exterior e também estrangeiros que desembarcam para conhecer a produção brasileira. Nessa rotina, ele atende aos maiores players do agro mundial e chegou a criar um glossário próprio de mais de 100 páginas incorporando ao vocabulário termos e expressões utilizados no meio. Quando não bem traduzidos, os entraves da língua podem até prejudicar o fechamento de um negócio.
À coluna, Estella conta que ver o agricultor compreendendo tudo o que está sendo dito, no jargão que ele conhece, é gratificante. Conheça mais sobre o trabalho do profissional:
Como iniciou na profissão?
Fiz faculdade na Universidade de São Paulo (USP) e fui professor de inglês durante muito tempo. Fiquei sabendo que havia um curso em São Paulo para fazer tradução simultânea, e na época eu não sabia direito o que era isso. Uma vez por ano ouvia falar no Oscar, aquela coisa de uma pessoa traduzindo enquanto outro falava. Então fiz um curso de dois anos, especificamente para tradução simultânea, e me dei muito bem. Quando entrei na cabine de tradução pela primeira vez, eu falei: puxa, cheguei em casa. Nesse curso você aprende a traduzir e interpretar, o que não tem nada a ver com falar o idioma. É a habilidade de entender uma mensagem e transportar aquela ideia para o outro idioma.
E como foi a aproximação com o agro?
Fui chamado para fazer uma viagem para os Estados Unidos pela Monsanto, um colega me convidou e éramos os dois intérpretes. A empresa que estava organizando a logística da viagem indicou outro cliente que adoraria o tipo de tradução simultânea com equipamento portátil que fazíamos, e assim foi. Antes, as empresas contratavam um agrônomo que falava o idioma para traduzir as conversas, mas não era algo profissional. Quando eles viram uma pessoa que não é da área, mas que consegue incorporar o vocabulário e consegue fazer isso simultaneamente, cresceu. Uma empresa foi falando para a outra e hoje atendo às maiores empresas do agro.
O trabalho levou a uma imersão no assunto. O que te faz gostar do agro?
As pessoas do agro têm uma maneira diferente de tratar os outros. São pessoas que gostam de conversar. Não existe a formalidade que se vê no mundo dos negócios, nos grandes eventos. Fora a força econômica que a agricultura representa e que as pessoas de grandes cidades desconhecem. Mas talvez o que mais me fascine seja a conexão com o produtor rural: chegar num lugar que não conheço, começar a conversar e a pessoa já falar da família, da história, como construiu tudo aquilo. Você acaba criando vínculos com as pessoas.
Quais as dificuldades de ser um assunto especializado?
As pessoas não falam necessariamente de maneira linear, sobretudo os produtores rurais. Muitas vezes falam uma coisa pela metade, por exemplo: na conversa com um produtor de fora, o cliente perguntou “você aplica micro?” Eram micronutrientes. Porque todo mundo no setor fala assim. A mesma coisa com “fito”. É fitotoxicidade, mas ele não fala inteiro. Se um produtor americano falar que a soja dele rende 600 bushels por acre, eu tenho que converter isso em sacos por hectare, porque o produtor daqui não faz ideia do que isso representa. Fora a conversão de temperaturas, que eles usam Fahrenheit, ou de precipitação, que eles falam em polegadas e nós usamos milímetros. Foi um processo longo. Ao mesmo tempo que você está traduzindo, está também fazendo contas. Aos poucos fui montando um glossário próprio só de agricultura que tem 112 páginas e modificando minha maneira de falar.
Quais são as maiores demandas de trabalho?
O maior foco são as viagens. Durante a Farm, feira que acontece na última semana de agosto nos Estados Unidos, cheguei a ter 10 intérpretes trabalhando comigo. São viagens de produtores a feiras internacionais ou para empresas. As grandes empresas querem criar uma relação mais estreita com o produtor, não querem mais ser vendedores de produtos, querem ser vendedoras de soluções. Poder levar um produtor para o laboratório e mostrar tudo o que está por trás do desenvolvimento de uma semente é muito impactante. Uma coisa é acessar a internet e fazer uma busca, outra coisa é levar o produtor diante de uma plantação e ele próprio fazer a avaliação de como está a lavoura.
Para o produtor que não fala outro idioma, qual a importância de um intérprete por perto?
Sem um profissional qualificado, você perde algumas sutilezas que às vezes são muito importantes, sobretudo de linguagem técnica. Às vezes, um uso incorreto de palavra pode levar a uma interpretação errada. Ou, falar uma coisa de um jeito e no outro idioma aquilo soar grosseiro. Entender as diferenças culturais é muito importante.
Alguma história te marcou nesses anos todos de viagens?
Conheci lugares incríveis que só a profissão poderia ter me permitido. Por exemplo, visitar plantações de algodão na Austrália, produtores no Vietnã, na Tailândia, falar com fiações na Indonésia... ter conhecido os maiores laboratórios de pesquisa do mundo. Mas, acima de tudo, ter conhecido tantas histórias. Uma coisa legal é quando você entrega os aparelhos de tradução e percebe a pessoa ouvindo em tempo real e concordando com a cabeça como se estivesse ouvindo o original. Isso é muito gratificante.