Você pode até desconhecer o termo, mas provavelmente já ouviu falar de áreas de cultivo em plena cidade. Mais do que produzir alimentos, a proposta da agricultura urbana e periurbana é dar espaço à inclusão, socialização e transformação local. O assunto foi debatido na Assembleia Legislativa na última sexta-feira, tendo a engenheira agrônoma Tatiana da Silva Duarte entre as palestrantes. De Santa Rosa, filha de agrônomo, foi ao se mudar para a Capital que encontrou uma nova perspectiva para a profissão. Hoje, coordena o projeto de extensão da UFRGS sobre horticultura urbana. Confira trechos da entrevista à coluna:
Como e quando decidiu ter uma carreira na Agronomia?
Acabei seguindo o caminho do meu pai, hoje falecido, que era engenheiro agrônomo. Também cresci dentro de uma estação experimental da antiga Fepagro (fundação extinta, hoje departamento), o que de alguma forma me levou para essa área. Na graduação e pós-graduação (mestrado e doutorado), tive formação para atuar no campo. Fui dar aula na Uergs e continuei reproduzindo o que vi na minha graduação. Depois, virei pesquisadora da Epagri, em SC. Foram cinco anos vivendo e trabalhando no interior catarinense. Tive muito contato com agricultores, todos que viviam e cultivavam no meio rural, até chegar na UFRGS.
Foi quando passou a focar em projetos de hortas na cidade?
Fui lotada no departamento de Horticultura e Silvicultura da Faculdade de Agronomia, por trabalhar com disciplinas relacionadas à produção de hortaliças e pela minha pesquisa em desenvolvimento de tecnologias para produção de hortaliças. Comecei a receber ligações e e-mails de professoras de escolas públicas e privadas e de agentes de saúdes demandando apoio técnico e formação para a instalação de hortas.
Como surgiu a extensão?
Quando assumi como docente na faculdade de Agronomia, o projeto de extensão Horticultura Urbana: promoção socioeconômica e de segurança alimentar já existia, sob a coordenação da professora Ingrid Barros. Ela me chamou para executarmos. No ano seguinte, se aposentou e me perguntou se tinha interesse em assumir a coordenação e continuar o trabalho. Já fazem cinco anos.
Agricultura urbana e periurbana: qual conceito e aplicação?
Ainda não existe um conceito universalmente aceito para Agricultura Urbana e Periurbana, em razão das especificidades e da multiplicidade de questões inerentes a essa atividade relacionada com o ambiente rural, mas que também pode ser praticada nos espaços urbanos. Entre as tentativas de definição, identifico autores que a veem como uma tecnologia social, por ser ação que soluciona problemas sociais em diversos locais no mundo e em diferentes momentos históricos. Como mitigar a fome, assegurar a segurança alimentar e nutricional, gerar renda, integração social, fins terapêuticos e educativos, manter a biodiversidade, promover a reciclagem de resíduos orgânicos e a reutilização de embalagens e conscientizar a população envolvida para causas ambientais, conectando os urbanos à natureza.
A agricultura urbana vai além da produção de alimentos, não deve ser reduzida a isso (...). No entanto, da maneira como nos organizamos na atualidade, a produção de alimentos está no rural e a maioria da população vivendo no urbano (...). A atividade vem para amenizar essa situação, garantindo a produção de alimentos nas cidades, como hortaliças, plantas medicinais e condimentares.
TATIANA DA SILVA DUARTE
Engenheira agrônoma e coordenadora de projeto de extensão da UFRGS sobre horticultura urbana
Como locais públicos e privados podem ser inseridos?
A ocupação de espaços públicos e privados pode ser uma boa estratégia para cidades sustentáveis. Em locais em situação de vulnerabilidade social é estratégico usar espaços públicos de forma comunitária para a produção de alimentos, com a finalidade de mitigar a fome. Lógico que a agricultura urbana por si só não dará conta da fome nas cidades, há necessidade de outras ações governamentais. No entanto, pela sua pluralidade, apoia outras ações. E é uma ferramenta muito utilizada em momentos de crise. Importante ressaltar que ainda é muito pouco estimulada e promovida por políticas públicas, é a sociedade civil que está nessa luta.
Que dicas daria para quem pensa ser agrônomo?
Abrir a mente para as possibilidades de atuação. Nem todos serão absorvidos pelo agronegócio, há outros espaços. Depois, acreditar na humanidade e olhar a produção de alimentos não só como um produto comercial. A atuação desse profissional muda vidas também. Então, não basta dominarmos só tecnologias e indicarmos pacotes tecnológicos. Há outros espaços de trabalho, que demandarão outros conhecimentos.