A perspectiva de que os embarques de grãos da Ucrânia possam ser retomados mexeu com o mercado agrícola internacional. Como a cereja de um bolo, a informação foi o mais recente, mas não o único ingrediente adicionado à receita que inverteu a curva de preços. No período pós-invasão russa, o sentido altista testou novos tetos de valores para commodities como o trigo. Agora, é na direção do piso que se movimentam os negócios. Da segunda metade de maio em diante, segundo dados da Cogo Inteligência em Agronegócio, as cotações do cereal recuaram 37% (nos contratos para setembro). Na sexta-feira, chegaram ao menor patamar em cinco meses.
— Começou com o preço do petróleo caindo, o risco de recessão global, a inflação batendo recorde na zona do euro e nos Estados Unidos, o aumento de taxa de juro. A gota d'água foi a perspectiva da retomada (das exportações) da Ucrânia, quarto maior exportador mundial de trigo e de milho — explica o consultor em agronegócios Carlos Cogo.
A conjuntura, acrescenta Alef Dias, analista de Grãos e Macroeconomia da hEDGEpoint Global Markets, traz forças opostas para o mercado de trigo. De um lado, a demanda segue aquecida, com estoques globais ainda apertados, o que alimenta os prognósticos positivos. Do outro, o quadro de elevação do juro, a desvalorização de moedas emergentes e a provável volatilidade do câmbio frente às eleições brasileiras atuam como freio. No meio de tudo isso, há que se considerar a questão climática, com indicativo de um raro terceiro La Niña seguido.
— Mesmo que se tenha o restabelecimento dos negócios no Mar Negro, a tendência é de demanda constante (por trigo) e ofertas relacionadas ao clima. O Brasil tem espaço — observa Dias, em relação às oportunidades conquistadas no caso do produto gaúcho.
Como mostraram os dados das exportações do primeiro semestre, o Estado fechará 2022 com embarques recordes do cereal. Mais do que isso, conectado a áreas importantes de consumo como Oriente Médio e do Sudeste Asiático, que tendem a se manter.
Com relação aos preços, a reacomodação recente está longe de ser a um patamar ruim. Cogo lembra que as cotações de trigo seguem acima das médias históricas. Até porque, acrescenta, os custos de produção se mantêm em alta:
— Assim como o mercado exagera na alta, exagera na queda. Não é anormal corrigir esses excessos. Em algum momento, o ponto de equilíbrio vai aparecer.
Frio no timing da cultura
Depois de um junho chuvoso, que atrapalhou o ritmo do plantio de trigo no Estado, os prognósticos de temperaturas amenas para os próximos dias, não trazem preocupação em relação à safra.
— O frio é bom para o trigo, mas o solo muito encharcado dificulta o manejo e a semeadura. Até agora, não houve relatos de perdas e problemas significativos. E o andamento da cultura ainda não está atrasado — afirma Loana Cardoso, agrometeorologista da Secretaria da Agricultura.
De acordo com a Emater, 88% dos 1,4 milhão de hectares estimados para o cereal já foram plantados, percentual um pouco abaixo da média para o período. Diretor técnico da instituição, Alencar Rugeri explica que o problema em junho foi a persistência da chuva que alterou o cronograma, concentrando a semeadura — e os riscos:
— Nos últimos 15 dias, conseguiu-se retomar uma situação que estava bem crítica.
*Colaborou Carolina Pastl