Há duas reações de sentidos opostos para o agronegócio entre as inúmeras consequências da guerra entre Rússia e Ucrânia. De um lado, o temor trazido pelo conflito mexeu com o mercado de trigo, com uma variação no preço (em dólares, na bolsa de Chicago) que chegou a 5,8% em uma semana, apesar da queda de 9% nesta sexta-feira (25). Do outro, a preocupação com o abastecimento de fertilizantes saiu do campo da especulação para o da vida real.
A explicação vem do peso dos russos (e demais nações no entorno do Mar Negro) tanto nas vendas de trigo quanto nas de fertilizantes.
— Está se falando de um conflito que, de imediato, interrompe o comércio do maior (Rússia) e do quarto maior exportador de trigo (Ucrânia). O mercado terá de deslocar essa demanda para outros fornecedores, como Estados Unidos e Canadá, que estão com safra apertada. Está se especulando em cima disso — explica Élcio Bento, analista da Safras & Mercado.
As cotações na Bolsa de Chicago, nos EUA, chegaram aos maiores patamares desde 2012, quando uma estiagem na produção americana puxou a valorização do cereal. Isso traz uma tendência de preços maiores também para o trigo brasileiro. O que é uma notícia alvissareira diante das frustrações com a safra de verão e que pode levar a um incremento de área. Força que poderá, no entanto, ser anulada pelo aumento nos custos de produção. Nesse caso, alimentado pela dificuldade de abastecimento dos fertilizantes. A Rússia, observa o consultor em agronegócios Carlos Cogo, é o segundo maior exportador mundial de nitrogenados e o terceiro exportador global de fosfatados e potássicos, respondendo por fatia de 16% dos adubos embarcados no mundo.
Mais do que isso, representa um vendedor importantíssimo para a produção agrícola do Brasil: 20% de tudo o que é importado vem da Rússia, com alguns produtos em particular tendo percentuais ainda mais expressivos. É o caso do nitrato de amônia, com 98% .
— Um alongamento do período de conflito no Mar Negro estará afetando nosso maior fornecedor de fertilizante, e isso pode frustrar a expectativa de uma nova safra recorde de trigo no Brasil — acrescenta Bento.
Pressão nos moinhos gaúchos
Para os moinhos do Rio Grande do Sul, o cenário atual de valorização das cotações deverá representar uma maior pressão de custos, projeta Valdomiro Bocchese da Cunha, presidente do Sindicato das Indústrias de Trigo do Estado (Sinditrigo-RS). Em 2021, os gaúchos colheram safra recorde do cereal, de 3,4 milhões de toneladas. E, com os problemas atuais decorrentes da estiagem, deverão voltar a apostar na cultura no inverno. O problema, pondera o dirigente, é que os estoques estão ajustados, porque as exportações também tiveram alta.
— Prevemos que as importações irão dobrar. Só em janeiro foram 81 mil toneladas, o dobro de igual mês do ano passado. Mas em hipótese nenhuma faltará matéria-prima — assegura Da Cunha.
A necessidade de buscar trigo fora é algo que independe da guerra, mas o conflito elevou a régua de preços globais, incluindo os da Argentina, país que é o grande fornecedor brasileiro.
— Em princípio, a régua subiu . Como neste ano os moinhos da Região Sul terão de aumentar a importação, o balizador será o importado.