Os mais crédulos não acreditavam em um ataque físico, os menos previam uma invasão das duas províncias da Ucrânia que declararam independência, Donetsk e Luhansk.
O presidente russo, Vladimir Putin, surpreendeu quem ainda fazia alguma fé em suas palavras ao levar a guerra à capital, Kiev. Com isso, na melhor das hipóteses, eleva o custo da guerra para o mundo e, especificamente, para o Brasil.
Como se fossem redutos de crédulos, as bolsas europeias despencam nesta quinta-feira (24), data que será uma cicatriz no calendário histórico. A de Frankfurt é a mais afetada, com tombo de quase 5%, seguida de perto pelas de Paris e Milão. Londres reage com menos pânico, com queda perto de 3%. O petróleo tipo brent já é negociado a US$ 105 na bolsa de Londres. Em Moscou, a bolsa teve de interromper negociações, dada a profundidade da queda, e o rublo foi a mínimos históricos ante as principais moedas.
O impacto da guerra, como sempre, pode até ser marola nas economias mais organizadas, mas será tsunami nas mais frágeis, grupo que inclui o Brasil. Os países que já haviam anunciado sanções, do Reino Unido aos Estados Unidos, passando por Alemanha e Austrália, terão necessariamente de apertar o torniquete. Para tirar fôlego financeiro de Putin, custos vão subir e tirar oxigênio de outros emergentes, outra vez como o Brasil.
Apesar de ter pronunciado uma frase de impacto — "vai haver uma nova Europa depois da invasão" — o tom do secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), Jens Stoltenberg, foi surpreendentemente cauteloso nesta manhã. Confrontado com o grande temor suscitado pela crise militar mais grave na Europa desde a Segunda Guerra Mundial — se há risco de acionamento de arsenal nuclear —, limitou-se a dizer que a reação da entidade será definida depois de uma reunião de cúpula marcada para sexta-feira.
De tão batida, a frase "na guerra, a primeira vítima é a verdade", é atribuída a Ésquilo e a outros possíveis autores. No caso de Rússia x Ucrânia, a vítima caiu muito antes do primeiro tiro. Agora está claro que Putin mentiu deslavadamente, como observou o presidente do Eurasia Group, Ian Bremmer: "a única desescalada que o mundo viu da Rússia são as consistentes mentiras de Putin sobre a Ucrânia".
O objetivo nunca foi "proteger" as províncias rebeldes, mas invadir a Ucrânia. Se parar por aí. A retórica de Putin conquistou não poucos adeptos, que repetiam que o líder da Rússia que não larga o poder há mais de duas décadas queria apenas "defender seu quintal" dos avanços da Otan e dos Estados Unidos. Bremmer afirma que, nesta manhã, Suécia e Finlândia já cogitam adesão à Otan e avalia que a ofensiva vai reforçar o tratado.
A ex-ministra da Defesa da Alemanha Annegret Kramp-Karrenbauer, que ocupou o cargo entre 2019 e 2021, ou seja, durante a escalada do conflito, expressou claramente o sentimento de frustração ante a estratégia de Putin:
— Estou com raiva de nós mesmos por nosso fracasso histórico. Depois de Georgia, Crimeia e Donba, não preparamos nada que possa realmente frear Putin.
Como vinha ocorrendo desde que os mais céticos perceberam que as frases de Putin eram apenas movimentos de peças no xadrez bélico, as cotações de matérias-primas acentuaram a alta. Além do petróleo, sobem as cotações de minérios e alimentos. Soja, farelo, óleo e milho dispararam na bolsa de Chicago. Vamos ter de pagar a conta da ambição imperialista de Putin. Isso, na melhor das hipóteses.