Neste ano, um projeto que já passou por 10 Estados vai chegar ao Rio Grande do Sul: o detalhamento da infraestrutura para integração sul-americana previstas no Consenso de Brasília, aprovado por todos os países em 2023. Obras como a hidrovia da Lagoa Mirim e a nova ponte em Jaguarão estão nesse conjunto, por suas vez previsto no Novo PAC. Conforme João Villaverde, secretário de Articulação Institucional do Ministério do Planejamento e Orçamento, o processo no RS foi adiado pela enchente, que também provocou necessidade de reformulação dos planos para conexão hidroviária com o Uruguai.
Para os gaúchos, que esperam conexões há décadas, agora vai?
Esse projeto nasceu no dia 30 de maio de 2023, quando o presidente Lula recebeu líderes da América Latina e, pela primeira vez, todos concordaram com uma série de iniciativas que formaram o Consenso de Brasília. Uma é fazer a integração da região juntos, porque precisamos nos conectar. Desde então, avançamos muito e seguem todos concordando. Afunilamos para as cinco rotas de integração. E atualizamos os termos. Já foram usados "eixos" e "corredores". "Rota" é uma palavra importante, as outras eram inadequadas. Significa que todos vão ganhar com a integração, não se trata só de passar, mas de compartilhar os resultados.
Mesmo que o governo Milei tenha anunciado que não vai colocar um centavo em infraestrutura?
Na parte que interessa ao programa, está quase tudo pronto. As rotas 4 e 5, que tocam na Argentina, tem hidrovias e rodovias funcionando muito bem. E lá a situação é semelhante à do Brasil, há províncias (equivalentes aos Estados no Brasil) em situação fiscal relativamente boa. Se algo for necessário fazer para complementar, como travessias urbanas, têm condições de fazer.
Como foi possível obter esse consenso?
O Brasil tem a bênção de ser um país do Atlântico e, para fazer a integração com os países sul-americanos, precisa se aproximar do Pacífico. É bom para o Brasil. E como o acesso à Europa se dá pelo Atlântico, com o acordo entre Mercosul e União Europeia, para se beneficiar dos termos, nossos vizinhos vão precisar chegar aos portos do Leste.
No Brasil também há alinhamento?
São 11 Estados envolvidos. Fizemos contato com todos os secretários de Planejamento ou Desenvolvimento Econômico. Perguntamos qual era a situação e o que seria preciso fazer para melhorar essa integração. Todos indicaram pontes, rodovias que existem, mas precisam de melhorias ou duplicação, ou que devem ser construídas. O resultado foram as 190 obras previstas no Novo PAC com caráter de integração sul-americana. Esse era um tesouro conhecido. Outro, que não se sabia, são as necessidades de software. Por exemplo, há regiões onde existe a infraestrutura pronta, mas falta uma aduana, por exemplo. Ou falta Polícia Federal, Anvisa, Vigiagro.
O que está previsto para o Rio Grande do Sul?
A rota 5 passa pelo Estado, foi a última a ser atualizada. Na origem, era Porto Alegre-Coquimbo, um porto no sul do Chile. Passa pela hidrovia da Lagoa Mirim. Mas ouvimos do governo chileno que Coquimbo não é mais prioridade. Agora, os portos em que estão investindo são os de Viña del Mar e Valparaíso, perto de Santiago. Os governos da Argentina e do Uruguai e cinco Estados toparam o redesenho do traçado da Rota 5 Bioceânica do Sul. Era a mais estabelecida, tanto do ponto de vista de infraestrutura quanto do cultural. Está mais dentro do imaginário coletivo. No físico, é preciso melhorar o que já existe e ter mais alternativas, mas há menos necessidade de construir o que não está lá. No cultural, é a que menos precisa de apoio do ponto de vista retórico.
Mas precisa de muitas melhorias, não?
Sim, precisa de muito apoio de melhoria de infraestrutura pronta. Foi isso que entrou no Novo PAC, incluindo duas rodovias federais, as BRs 285 e 290, que já é conhecida como 'Rodovia do Mercosul'. Quando funcionar a pleno, vai ajudar no escoamento da produção e na movimentação de turistas, tanto de uruguaios e argentinos no RS quando dos gaúchos para os dois países. Temos um gestor aqui no ministério que é de Sant'Ana do Livramento, que conhece bem essa realidade. Ouvimos do governo gaúcho que a hidrovia da Lagoa Mirim é absolutamente estratégica para o RS. O governo uruguaio disse o mesmo. Por conta da enchente, o projeto teve um redesenho, mas é um projeto que não só torna os dois países menos dependentes de rodovias e reduz custos, mas a emissão de gases de efeito estufa é muito menor em hidrovias do que outros modais. Isso sem contar o potencial turístico de um passeio de barco na região, que complementa o potencial do comércio exterior.
Quais são os desafios?
Nossos vizinhos não têm um Novo PAC e alguns têm dificuldade de capital humano até para fazer projeto, o que não pouca coisa. Por isso, foi criada uma carteira de US$ 10 bilhões para financiar obras e também projetos, até porque uma coisa não existe sem a outra. Desse total, US$ 7 bilhões são para os vizinhos. São US$ 3,4 bilhões do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), US$ 3 bilhões da CAF (Banco de Desenvolvimento da América Latina, antes chamado Corporación Andina de Fomento) e US$ 600 milhões do Fomplata, o Banco do Mercosul. Os projetos no Brasil serão financiados pelo BNDES.
Dada a situação fiscal, não há risco de cortes, ainda mais que o orçamento de 2025 não está aprovado?
Há precedente histórico, houve seis ocasiões em que o projeto não foi aprovado antes do final do ano. Mas há R$ 4,5 bilhões previstos para essas obras. Houve cortes, no passado, mas não haviam sido feitas reuniões nos Estados, debates com o Congresso. Acreditamos que será totalmente preservado, como foi a dotação para 2024. É um programa que o presidente considera prioritário. Houve bloqueios, mas as rotas foram preservadas. É o que tende a ocorrer em 2025.