O impacto inicial foi positivo, mas, no detalhe, algumas dúvidas ficaram sobre o arcabouço fiscal anunciado pelo governo federal para substituir o teto de gastos. As principais foram tiradas pelo secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello, em entrevista ao programa Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha. Confira trechos abaixo e o áudio na íntegra no final da coluna.
É ambicioso projetar superávit já para 2024. Gera receio de aumento da carga tributária, o que foi afastado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que, ao mesmo tempo, fala elevar arrecadação em R$ 100 bilhões. Como?
De fato, a meta é ousada. O país exige ousadia de nós. Estamos aqui nos colocando uma meta desafiadora, mas que nós consideramos crível, exatamente pelo que o ministro colocou: o sistema tributário brasileiro tem muitos impostos. Nós não estamos falando em criar novos tributos nem em aumentar a alíquota dos atuais. O que estamos falando é que existem empresas, pessoas, setores econômicos que, hoje, por uma série de alterações legais que foram feitas ao longo do tempo, deixaram de pagar os tributos que deveriam. Alguns advogados chamam de planejamento tributário, interpretações que foram dadas que beneficiam em particular as grandes empresas, os muito ricos. O trabalhador paga muito imposto, enquanto o rico paga muito menos. Tem que ser resolvido também por uma reforma tributária, mas, até lá, existe um conjunto de medidas saneadoras que você pode tomar fechando buracos criados na estrutura de receita, recuperando o que deveria estar entrando para os cofres públicos para financiar educação e saúde. São empresas ou pessoas que conseguiram aprovar com pressão política algum benefício que consideramos indevido.
Quais são as medidas saneadoras e os buracos a serem fechados?
Em janeiro, o ministro Fernando Haddad, o secretário da Receita Federal, Robson Barreirinhas, e o secretário do Tesouro, Rogério Ceron, anunciaram uma primeira rodada fez com que a de déficit primário, que era de R$ 220 bilhões neste ano, já caísse para uma previsão de R$ 100 bilhões. Envolveu, por exemplo, a revisão da base de cálculo de tributos federais, que haviam sido solapados por medidas que considerávamos equivocadas. Há, também, atividades econômicas que surgiram com a nova economia, com a internet, que hoje não são nem regulados, quanto menos tributados. O mais curioso é que as empresas desses setores nos pedem uma regulamentação para virarem algo legal, com previsibilidade jurídica, competição justa. Um exemplo é o setor de apostas esportivas pela internet, que não tem nenhuma regulação. Não estamos falando em criar novos tributos, mas trazê-los para a regularidade e para competição justa, passam a pagar como os demais setores.
O arcabouço prevê elevação de gastos quando se tem retração e quando se tem crescimento econômico. Como reduzi-los depois quando preciso?
A regra prevê que o gasto pode crescer desde que menos do que a receita. Em momentos de retração da receita, do PIB, entra o sentido anticíclico do nosso arcabouço. Qual era o problema com a antiga lei de responsabilidade fiscal, com antiga meta de resultado primário? A economia começava a crescer bastante e você tinha uma meta de resultado primário de 1% do PIB. Só que as receitas também cresciam e sobrava dinheiro no final do ano. O que os governos faziam? Gastavam de qualquer jeito esse dinheiro, porque já cumpriu a meta. Esse gasto sem planejamento acabava se transformando em um novo aquecimento da economia, até a hora que ela superaquecia. Aí revertia o ciclo e começava a desacelerar, aumentava desemprego, e o governo, ao invés de dar sustentação com bom investimento público e transferência de renda, tinha que cortar gastos. E cortava o quê? O investimento, a transferência de renda e aprofundava a crise. Estamos mudando a lógica. O governo, quando o país crescer muito, não vai poder gastar tudo o que quer. Se o país começar a crescer 3%, 4%, 5% e a receita acompanhar, vai poder aumentar o gasto no máximo em 2,5%. Se o país entrar em recessão ou crescer 0%, ele vai ter que gastar pelo menos um pouco para ajudar o país a sair da crise. É evidente que qualquer governo poderá reduzir gastos. O que não pode é fazer isso de maneira abrupta, como foi nos últimos anos. No começo de 2021, estávamos saindo da primeira onda de covid e entrando na segunda. Entre janeiro e abril de 2021, o governo anterior cortou o auxílio emergencial, o programa de manutenção de empregos, o programa de crédito para empresas, e a economia entrou em uma crise profunda. É um arcabouço que garante estabilidade.
A meta de superávit em 2024 contempla as promessas de campanha de Lula?
Plenamente. O que garantiu que o Estado fosse capaz de implementar os compromissos assumidos pelo presidente Lula na campanha já foi definido na PEC de transição. Garantimos a recomposição do orçamento para o novo Bolsa Família, o Farmácia Popular, o novo Minha Casa Minha Vida, o novo Programa de Aquisição de Alimentos, o novo Mais Médicos. Todos programas estão sendo anunciados em tempo recorde. O novo aumento do salário mínimo é uma política de recomposição, que vai ser anunciada também. A redução do Imposto de Renda para as famílias que ganham até dois salários mínimos. Ou seja, um conjunto grande de compromissos que o presidente Lula assumiu ao longo da campanha já está sendo implementado. Com essa nova regra, nós vamos fortalecê-los, porque será possível, dentro de certos limites razoavelmente estreitos, fazer escolhas inteligentes para os recursos, fortalecer esses programas e os investimentos públicos que geram emprego, distribuem renda e melhoram a qualidade de vida das famílias.
Até que ponto a nova regra depende da aprovação de reformas, como a tributária?
Ela funciona independentemente da aprovação de qualquer reforma. Todo o ano o Brasil tem algum incremento de arrecadação e, portanto, vai ter de despesa. Então, a vida segue normalmente. A grande questão da reforma tributária é que o país ganharia um potencial de crescimento em eficiência, justiça distributiva, produtividade e competitividade para empresas. Distribuir melhor a renda ajuda o país a ter mais receitas, mais arrecadação. É óbvio que a reforma tributária ajudaria muito o nosso plano fiscal, mas a regra atual não depende da aprovação dela.
Qual o tamanho hoje da dívida brasileira e quanto se gasta por ano só com os juros?
Hoje, a dívida bruta, que significa toda a dívida que o governo tem no mercado, está em torno de 73% do PIB. Alguém vai perguntar se é muito ou é pouco. Depende do viés de comparação. Existem países, os mais desenvolvidos, que têm um nível de dívida muito maior do que o nosso. Estados Unidos, Japão então, nem se fale, chega a mais de 200% do PIB. Qual é o problema da dívida brasileira? É cara, porque a taxa de juros no Brasil é muito superior ao dos seus pares internacionais. Em termos reais, ou seja, já descontada a inflação, é a maior do mundo. Temos mais de 5% do PIB sendo pago em juros, mais de R$ 500 bilhões.
Como reduzir o juro?
Temos um desafio que é reduzir a taxa de juros sem gerar pressões inflacionárias. Para isso, você precisa harmonizar a política monetária e a política fiscal. As duas têm que andar juntas e na mesma direção. É isso que nós estamos nos propondo ao construir o novo arcabouço fiscal, que não só garante que a dívida não cresça de maneira explosiva, que no médio prazo ela estabilize, passe a cair, mas também a possibilidade de retomar os investimentos no país. É uma combinação de fatores que vai ajudar o Banco Central a ter um cenário no qual ele possa reduzir a taxa de juros e os investidores tenham mais confiança no país e, portanto, exijam menos juros para comprar os títulos da dívida pública brasileira. Com isso, você vai, também, reduzir esse nível de pagamento de juros e, com isso, obviamente, a situação das finanças também melhora.
O pacote inclui as compras da China, reclamação dos comerciantes brasileiros?
As medidas serão anunciadas em breve pelo secretário do Tesouro e pelo secretário da Receita. São de natureza tributária, mas é evidente que temos uma grande preocupação em criar condições de competição justas para todos os participantes do mercado. Se você tem um empresário que paga imposto e outro que não paga, e isso é considerado normal, é óbvio que você tem uma condição competitiva desigual. É importante que você tenha um campo de jogo igual para todas as partes, senão vai acabar prejudicando setores. Estamos falando do comércio varejista, que emprega muitas pessoas que tem empresas listadas em bolsa, que precisam para competir em condições de igualdade, que todos os concorrentes nacionais e estrangeiros sejam regulamentados e paguem os impostos da mesma forma. Não são necessariamente medidas arrecadatórias. É mais do que isso, é uma questão de justiça competitiva.
Colaborou Vitor Netto
Ouça a entrevista na íntegra:
Coluna Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Equipe: Daniel Giussani (daniel.giussani@zerohora.com.br) e Guilherme Gonçalves (guilherme.goncalves@zerohora.com.br) Leia aqui outras notícias da coluna