A reforma estrutural mais importante para o país no momento é a tributária. Quem está conduzindo a proposta no governo federal é o secretário Extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, que falou ao programa Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha. Confira trechos abaixo e a íntegra do áudio no final da coluna.
Vai sair, finalmente, a reforma tributária?
Acredito que sim. Nunca vi um clima tão positivo para a aprovação. Em uma pesquisa há duas semanas, 68% dos deputados federais indicaram acreditar na aprovação neste ano. Tem um compromisso muito claro de apoio do Executivo, do presidente da Câmara dos Deputados e do presidente do Senado.
O que mudará na vida do brasileiro?
Ele terá um sistema muito mais simples e transparente. Hoje, temos cinco tributos que incidem sobre o que é consumido pelo brasileiro: PIS, Cofins e IPI, que são federais; ICMS, que é dos Estados; e ISS, do município. São extremamente complexos, cheios de exceções, benefícios fiscais, com uma quantidade enorme de alíquotas e formas diferentes de cobrar. O resultado final é que as pessoas não têm a menor ideia de quanto estão pagando.
Terá aumento ou redução de tributos para alguém?
A reforma discutida no Congresso vai manter a carga tributária, ou seja, o consumidor vai continuar pagando o que paga hoje, mas fará isso de uma forma totalmente transparente e eliminando distorções. A proposta básica das duas PECs (propostas de emenda à Constituição) é ter uma alíquota uniforme para todos os bens e serviços, mas ambas têm algumas válvulas de escape, então alguns setores provavelmente terão algum tratamento favorecido. Queria deixar bem claro, isso é um compromisso, não tem aumento de carga tributária. E, mesmo que mantenha, o consumidor hoje está pagando pela ineficiência do sistema tributário. As empresas têm estruturas enormes só para cumprir com burocracia de recolhimento de imposto. Então, a reforma mantém arrecadação, mas elimina esse custo que entra no preço do que o consumidor está comprando. Tem uma redistribuição, é fato.
Quem pagará mais ou menos?
Em alguns bens e serviços, vai reduzir a carga tributária. Em outros, vai aumentar. Isso é inevitável no desenho da reforma. O que é projetado é fazer com que caia um pouco para as pessoas de mais baixa renda e suba para as de mais alta renda, mas isso é positivo. No caso das pessoas de baixa renda, tem o instrumento que estamos chamando de cashback, para devolver o imposto. No Rio Grande do Sul, tem algo parecido, o Devolve ICMS.
O imposto unificado é como nos países onde é colocado em cima do preço da gôndola?
Acho que no supermercado já vai ter o preço com e sem imposto para as pessoas saberem se o que têm na carteira é suficiente. Mas a ideia é que incida sobre o preço sem imposto. Hoje, no Brasil, o imposto incide sobre o preço com imposto. Se você tem um Estado que tem 18% de alíquota de ICMS e 9,25% de PIS e Cofins, em uma conta de energia elétrica, por exemplo, a alíquota é de 34,3%, que as pessoas não sabem que estão pagando. Essa alíquota vai cair com a reforma.
Há resistência de prefeitos. Qual o argumento para convencê-los?
Existe a preocupação de alguns grandes municípios com a perda de autonomia, porque estamos unificando tributos. Mas não tem essa perda. Na verdade, Estados e municípios mantêm a autonomia de fixar sua alíquota do imposto, mas de forma transparente. Se o prefeito subir ou baixá-la, se reflete no preço do que o morador vai pagar. E todos os estudos mostram que a reforma tributária aumenta o potencial de crescimento da economia brasileira. Estimamos algo entre 12% ou 20% do PIB entre 10 e 15 anos. Praticamente todos os municípios do país são beneficiados, exceto pouquíssimas exceções que tenham um valor absurdamente elevado hoje de receita por distorções do sistema atual.
A promessa de campanha de Lula de aumentar a isenção do Imposto de Renda para R$ 5 mil entra na reforma tributária?
A discussão sobre o Imposto de Renda será feita no segundo semestre, depois da reforma desses tributos sobre o consumo. Vamos fazer em dois tempos. A ideia é, no segundo semestre, corrigir distorções no Imposto de Renda, fazer com que o sistema se torne mais progressivo, que pessoas de mais alta renda paguem mais, fechar brechas que permitem que as muito ricas escapem do pagamento. O objetivo final da reforma é tornar a tributação mais justa no país, ou seja, reduzir para os mais pobres e aumentar a carga para os mais ricos.
E a proposta de taxar os jogos eletrônicos para compensar a perda de receita com a elevação da isenção do Imposto de Renda?
É um tema que não está comigo. Está com a Receita Federal, mas, de fato, tem a discussão usar essa tributação para financiar a primeira etapa da correção da tabela de pessoa física, que vai fazer com que pessoas que ganham até R$ 2.640 não paguem Imposto de Renda na fonte nem na declaração.
Terá um período de transição entre os dois sistemas? Se sim, não aumentaria a burocracia?
Assim está pensada a transição: você aprova a emenda constitucional, aprova uma lei complementar e, um ano depois, em meados de 2025, faz a mudança para o PIS/Cofins, que têm uma legislação muito complexa. Depois, ainda tem mais algum tempo para começar a transição para os Estados e municípios, o que provavelmente ocorreria entre 2025 e 2027. Você teria, em quatro ou cinco anos, a redução das alíquotas do ICMS e do ISS, e a elevação da alíquota do imposto sobre bens e serviço sucessiva, que vai substituí-los. Se tem aumento de complexidade durante a transição? Não. Já de imediato você tem uma simplificação da legislação do PIS/Cofins. A ideia é ter a mesma legislação para o imposto que será dos Estados e municípios. Tem simplificação no curto prazo e uma grande redução de complexidade quando termina a transição.
Os cinco impostos unificados somariam 25%? Haveria variação entre itens?
É uma estimativa de qual seria a alíquota se houver poucas exceções no desenho do sistema. Lembrando que é 25% sobre o preço sem imposto, o que dá 20% do preço com imposto. A alíquota vai depender de quanto vai reduzir a sonegação e de quantas inserções tiver no desenho do novo modelo. Quanto mais setores tiverem uma tributação menor, maior tem que ser a alíquota dos outros. Com relação a cigarro e bebida, o modelo prevê "imposto seletivo", que é para tributar exatamente produtos que fazem mal à saúde ou ao meio ambiente. Com relação à cesta básica, está em discussão no Congresso, que vai decidir sobre o tratamento diferenciado. As projeções indicam que, mesmo se você tiver uma alíquota uniforme, já teria redução para famílias mais pobres, porque hoje, no Brasil, o consumo das mais ricas, intensivo em serviços, é menos tributado.
Serão enviadas novas propostas?
Existem duas no Congresso: a PEC 45 da Câmara dos Deputados e a PEC 110 do Senado. A ideia é usá-las de base para o texto que será colocado em votação. O governo não vai mandar uma nova proposta, vai apoiar o Congresso na elaboração de um novo.
Como ficaria a tributação de empresas do Simples Nacional?
Não muda. A reforma mantém o Simples Nacional, mas abre uma nova possibilidade. Uma empresa que está no meio da cadeia, que compra de empresas e vende para empresas, vai poder optar por ficar no Simples ou entrar no regime normal de tributação desse imposto sobre bens e serviços. Então, ela deixa de pagar sobre o faturamento e passa a pagar pelo regime normal de débito e crédito. Ela recupera o crédito de todos os insumos do que ela compra e transfere o imposto que ela paga integralmente para o adquirente dos seus produtos. Provavelmente, será melhor do que ficar no Simples.
Colaborou Vitor Netto
Ouça a entrevista na íntegra:
Coluna Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Equipe: Daniel Giussani (daniel.giussani@zerohora.com.br) e Guilherme Gonçalves (guilherme.goncalves@zerohora.com.br) Leia aqui outras notícias da coluna