Amigo e conselheiro de Lula, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo discorda do teto de gastos como ferramenta de controle das contas públicas. Em entrevista ao Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha, ele sugeriu outra regra fiscal e contou como foi a reunião com o presidente eleito logo após o resultado do segundo turno. Confira trechos abaixo e o áudio na íntegra no final da coluna.
Como convencer o mercado de que é possível ter outra regra fiscal que não o teto de gastos, evitando queda de bolsa, alta de dólar, inflação e aumento do juro?
Por que você não explica para mim? Pede para o pessoal do mercado explicar, porque eu fico irritadíssimo. A economia brasileira não existe no planeta Netuno. Ela está na Terra e tem conexão com outras economias. Você tem uma moeda frágil, que não é conversível, muito afetada pelo choque do juro nos Estados Unidos. Reduzir tudo a risco fiscal é, no mínimo, uma impropriedade. Há vários elementos, tem complexidade. É claro que tem que ter uma regra fiscal, mas não é ficar falando "olha, a responsabilidade fiscal". Isso tudo é um rame-rame.
Como seria essa outra regra fiscal?
Uma regra fiscal tem que respeitar a flexibilidade da economia. Os Estados Unidos, por exemplo, usam, espertamente, a regra da dívida. Não exige controle de gastos, mas da dívida. Quando se aproxima do teto, como ocorreu com Obama, o governo é obrigado a paralisar operações. Como isso é desastroso, o Congresso revê condições. É uma regra um pouco mais flexível e supõe participação maior dos representantes da sociedade. Tem um projeto do senador José Serra propondo essa solução que eu acho a mais adequada para o sistema econômico que vivemos. Não é perfeita, mas flexível. Precisamos entender que há confusão grande entre dívida pública e privada. A visão do mercado é pouco sofisticada, é muito binária. Talvez tenham que ser convencidos de que a regra da dívida é aceitável e isso dá mais estabilidade ao país. O Brasil, como está colocado na questão ambiental, vai contar com benefícios de financiamentos. Isso vai melhorar a nossa situação externa, acalmar câmbio e juros. Fico impressionado porque as pessoas aqui no Brasil não falam disso.
Com as finanças de hoje, vê espaço para cumprir as promessas de campanha de manter o Bolsa Família em R$ 600, o reajuste do salário mínimo acima da inflação, aumento da isenção do Imposto de Renda e ampliar outros programas sociais?
Vi que desvendaram espaço de R$ 136 bilhões no orçamento. Se gastar com eficiência, multiplica a geração da renda. Por que as pessoas não reclamam que o investimento público caiu para o nível mais baixo de todos os tempos aqui no Brasil? Vamos lembrar de como a economia cresceu mesmo no período militar. Qual era a participação do investimento público no PIB? 8%. Hoje é 2%. É preciso escolher onde gastar para maximizar o efeito. Acho que você não deve brigar muito agora, não. Espera que a economia comece a se recuperar com as primeiras ações do governo e, em seguida, vai alterando a composição do gasto para maximizar resultado.
Tem que gastar onde?
No que gera mais emprego e tem impacto maior sobre os fornecedores de equipamentos, de insumos. É o chamado efeito multiplicador. Gastos de saneamento junto com o setor privado seriam muito bem-vindos. Tem efeito social, ambiental.
Como a reunião com Lula?
Eu conheço o Lula desde o final dos anos 1970, quando ele estava começando a formar o PT. O movimento sindical estava crescendo. O Lula é meu amigo. Eu não tenho nenhuma relação de interesse, nem política com ele. Ele, às vezes, me pede para falar qualquer coisa. Não me meto a sebo, conversamos como dois amigos sobre os problemas no Brasil. Lula tem a marca de defender aqueles que sofrem mais. Será que o mercado não lembra da gestão econômica dele com estabilidade fiscal o tempo inteiro? Ele ouve muita gente, depois elabora suas concepções. É uma pessoa afável, que não é arrogante.
Qual seria a sua aposta pro Ministério da Economia?
Eu não quero falar. Vai ter uma pessoa que corresponda à concepção dele sobre como lidar com o Congresso e com os mercados. Colocará uma pessoa bem voltada para negociação.
Colaborou Vitor Netto
Ouça a entrevista na íntegra:
Coluna Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Equipe: Daniel Giussani (daniel.giussani@zerohora.com.br) e Guilherme Gonçalves (guilherme.goncalves@zerohora.com.br)
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