O impacto da pandemia do coronavírus chegou rapidamente às finanças familiares. Algumas pessoas estão com a renda reduzida e até zerada, como é o caso de autônomos sem trabalho. Ao mesmo tempo, alguns preços sobem, mesmo que outros caiam.
O leitor deve lembrar de tantas e tantas vezes que falamos sobre a importância de ter uma reserva de emergência. A coluna, inclusive, indicava que deveria ser um valor que pagasse as despesas da família por seis meses. Um dinheiro que deveria ser colocado em uma aplicação financeira, de onde pudesse ser sacado com facilidade, sem perdas, no caso de um imprevisto. Pois bem, para muitas pessoas, chegou esse momento. Não há imprevisto que justifique mais o saque da reserva de emergência do que uma pandemia, no caso das famílias que tiveram sua renda afetada.
Eu sei que, para muitos, dói tirar esse dinheiro que estava lá rendendo. Mas atrasar contas também corrói o patrimônio. Com cuidado, é sim a hora de usar a reserva de emergência e, no futuro, você pode voltar a fazê-la crescer. Quando tudo isso passar, e vai passar.
Para ajudar a tirar dúvidas e dar dicas, o programa Acerto de Contas (domingos, às 6h, na Rádio Gaúcha) conversou com os educadores financeiros André Massaro e Adriano Severo. Confira:
Para quem está em casa, sem conseguir trabalhar e é autônomo ou informal. Qual o cenário, o que fazer?
André Massaro: Para quem é profissional autônomo, informal, a coisa fica particularmente complicada. Grande parte desses profissionais depende do contato. Algumas atividades simplesmente se tornam inviáveis nessa circunstância e colocam a pessoa em uma situação de, ou ter que desenvolver novas habilidades, ou pensar em alguma coisa. As opções são limitadas e não há muito o que se recomendar. Falando em retrospectiva, e eu sei que isso não vai ajudar muita gente, não vai aliviar a dor de algumas pessoas, mas, momentos como esse mostram para que serve a reserva de emergência que educadores financeiros e especialistas em finanças pessoais tanto falam. Aquele valor que precisa estar investido em ativos líquidos, permanentemente disponível, que nos permita ter fôlego financeiro por algum tempo, alguns meses, preferencialmente um ano ou mais. Quem tem reserva de emergência, provavelmente está vivendo dela. Para quem não tem, falar isso agora pode ser um pouco tarde demais. Fica como uma lição para ocasiões futuras. O que resta é a pessoa tentar se segurar, tentar restringir gastos ao máximo. Saber que, mesmo quando terminar essa restrição, provavelmente as pessoas não vão sair loucas para gastar dinheiro, então uma boa parte dos negócios de vendas que não estão sendo feitos nesse período, provavelmente estão perdidos em definitivo, porque as pessoas, provavelmente, vão estar receosas, com medo, cautelosas ao gastar. As opções, infelizmente, não são muitas. Para quem não conseguir trabalhar remotamente, é botar o pé no freio dos gastos, quem tem reserva de emergência, é viver da reserva.
Mas a reserva financeira é finita e um dia acaba, claro. Precisa, então, ser bem gerida. No dia a dia, como elencar prioridades de gastos? Onde é possível apertar e as pessoas nem se dão contas às vezes?
André Massaro: Uma situação de confinamento, ainda que voluntário, acaba, por vias tortas, trazendo oportunidades de economia. Com restrição de mobilidade, as pessoas acabam não saindo tanto, não gastam com deslocamento, deixam de gastar com atividades de lazer, muitos serviços não estão disponíveis. Então, por si só, algumas oportunidade de economia, ainda que temporárias, já surgem. É importante observar que é uma situação de grande estresse, angústia, ansiedade e medo em relação ao futuro. Às vezes, as pessoas podem ser tentadas a gastar bastante com itens de conforto, como entretenimento online e uma alimentação mais cara. Essas coisas são importantes nesse momento, até por uma questão de preservação da sanidade mental, mas os gastos não podem ser descontrolados.
E quem seguia o conselho de diversificar investimentos e agora precisará retirar esses valores. Como identificar de onde tirar o dinheiro olhando para a carteira de investimentos?
André Massaro: Quem tem uma carteira bem diversificada, presume-se que tem ativos financeiros com vários graus de liquidez e graus de segurança. Aqueles ativos de liquidez mais imediata, de curto prazo, são os que a gente deve dar preferência caso tenha que liquidar, ou seja, fazer dinheiro, no jargão das finanças, para pagar as despesas diárias. Obviamente, muitas pessoas estão com dinheiro em renda variável, com ações com perdas pesadas, e talvez não seja o momento mais adequado para vender essas ações, fazendo com o que o mercado chama de "realizar as perdas". Se tiverem investimentos de renda fixa, preferencialmente pós-fixada, com pouca ou nenhuma perda, esses seriam os ideais para se sacar agora.
Para quem entrou na bolsa recentemente em busca da rentabilidade maior, qual teu conselho? O que o pessoal tem feito e tu achas errado?
André Massaro: Quem entrou recentemente na bolsa de valores precisa entender que crises, inclusive dessa magnitude, fazem parte da dinâmica do mercado financeiro. Da mesma forma que aconteceu agora, ocorreu em 2008 e teremos no futuro também. Talvez não pelos mesmos motivos, mas sempre tem um evento que desencadeia uma crise em larga escala. Isso faz parte da vida do investidor. Muitos investidores de sucesso, que construíram grandes fortunas no mercado de ações, passaram por crises de impacto similar. É importante lembrar que, na bolsa de valores, e nos investimentos de uma forma geral, não existem só acertos. O que define o investidor de sucesso é ganhar mais do que perder, é ter um resultado líquido positivo. Aqui no Brasil, nós temos uma outra situação. A renda fixa se inviabilizou como um instrumento de construção de patrimônio. Ela ainda tem sua importância como reservas de emergência, mas não dá mais para ganhar dinheiro na renda fixa. Então, o investidor fica meio sem opção. Ele não vai ter muita vida fora do mercado de renda variável. A melhor postura, ainda que seja difícil de absorver, é tentar entender que crises fazem parte da dinâmica do mercado. É importante continuar investindo, tendo uma estratégia de longo prazo, e seguindo essa estratégia. As perdas dos investidores que entraram recentemente, eu sei que essas palavras podem não dar muito conforto, mas em algum momento, elas tendem a se dissipar. Pode demorar um pouco mais, ou um pouco menos. Mas fazer uma venda agora na base do desespero, na base do pânico, e realizar grandes perdas talvez não seja a coisa mais sensata a fazer.
Alguma orientação específica para os aposentados que terão o décimo terceiro salário antecipado, considerando que muitos estão com medidas ainda mais restritivas de isolamento?
André Massaro: Colocar o pé no freio. As pessoas já vivem corriqueiramente contando com esse dinheiro. A antecipação pode dar um alívio momentâneo, mas certamente vai significar alguma descontinuidade das finanças mais para o final do ano, quando seria a época normal de receber o décimo terceiro. Então, não se deve encarar como um dinheiro a mais, é apenas uma antecipação.
Adriano Severo: Aí, quando chega o momento que deveria ser para utilizar o décimo terceiro, não vai ter valor algum para receber. Alguns gastos de final de ano, como Natal e IPTU, aparecerão e a pessoa não terá recursos. Então, se tiver alguma dívida, aproveita para quitar e, até mesmo, tentar alguma negociação.
Fala mais sobre os gastos a serem priorizados.
Adriano Severo: Aqueles que, de fato, são essenciais, como saúde e supermercado. Importante lembrar que o isolamento pode se estender. Não deixe de pagar as contas de luz e telefone para gastar com supérfluos, pois essas dívidas continuarão pendentes.
Ouça mais orientações dos especialistas no programa Acerto de Contas. Domingos, às 6h, na Rádio Gaúcha. Ouça aqui:
Colunista Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Colaborou Daniel Giussani (daniel.giussani@zerohora.com.br)
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