O horror deste início de setembro é tão brutal que foge às interpretações normais e se transforma num paradoxo. Primeiro, o incêndio do Museu Nacional retratou a tragédia que o desdém governamental gera no país. Depois, o candidato presidencial que propõe liberar as armas e cata votos pela violência verbal, foi esfaqueado em plena rua, numa reunião de seus seguidores.
O crime jamais foi instrumento da política e a tentativa de assassinato, agora, em Juiz de Fora, é repugnante em si. Nem o fato de o criminoso ser um aparente desequilibrado, diminui a perversão aberrante.
No entanto, Jair Bolsonaro foi também vítima da própria ideia de violência constante, suporte central de sua candidatura, que ele próprio apregoou de Norte a Sul. Sua linguagem teve sempre tom destrutivo, num chamamento a substituir o diálogo pela ferocidade da imposição de ideias, como nas ditaduras. Outras vezes, portou-se como destemperado machista: numa palestra, no Rio, contou ter quatro filhos homens e acrescentou: "No quinto, fraquejei e veio mulher".
Tudo isto explica que seja réu em três processos, ora no Supremo Tribunal - por "apologia do crime", por "incitar ao estupro", por "racismo" e por "injúria".
Mas, o desequilíbrio atrai os desequilibrados e neles se multiplica. Pode redundar em adesão fanática ou em inimizade gratuita, igualmente fanatizada. Em ambos casos, é cego, como todo fanatismo. Agora, no interrogatório policial, quando indagado sobre quem lhe mandou esfaquear, o criminoso respondeu:
– Foi o Deus, lá de cima!
Invocar o nome de Deus em vão, como artimanha tática, foi algo usual na campanha do próprio Bolsonaro. Dias antes do atentado, os cartazes que o receberam no interior paulista proclamavam: "Deus acima de todos". Mesmo assim, ele defendeu o uso de armas e se fotografou ao lado de crianças, esticando o braço como se ensinasse a disparar um fuzil.
Que odioso deus o saudava?
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Meses atrás, dispararam contra a comitiva do ex-presidente Lula da Silva no Paraná, ainda antes da prisão. Depois, na campanha eleitoral, a violência verbal acelerou-se a partir do próprio Bolsonaro.
Em Juiz de Fora, o criminoso usou uma faca. Se tivesse dinheiro, talvez usasse um revólver, como os que Bolsonaro sugere armar a população e, assim, "resolver o Brasil com as próprias mãos".
Neste horror, não há espaço para nenhum mártir. Não há nenhum Gandhi no Brasil. Tudo é alucinação e só vale o velho adágio: violência gera violência.