A campanha eleitoral leva a escrever sobre candidatos ou candidaturas, mas, até isto, obriga a falar de Paixão Côrtes, que nos deixou dias atrás. Um dos expoentes da geração dos anos 1920-30, ele encarou e viveu a política como algo destinado a entender as raízes profundas da sociedade e do povo, não como hoje, quando só se pensa em usufruir do poder.
Em 1948, a partir do grêmio estudantil do Colégio Júlio de Castilhos, ele e Luiz Carlos Barbosa Lessa redescobriram a cultura e o folclore gaúcho. Tomamos consciência de nossa identidade.
Eram tempos de jovens rompendo muralhas. Décio Freitas recém descobria o caminho de historiador e era um dos paradigmas da política, junto a moços como Leonel Brizola, Fernando Ferrari, Pinheiro Machado Neto e outros. Numa universidade acostumada quase só a reproduzir o saber alheio, Tuiskon Dick na química, e Antônio Cordeiro na genética, abriam novos caminhos de pesquisa. Na sociologia e filosofia, Ernâni Fiori e Gerd Bornheim nos faziam pensar. No futebol, havia Tesourinha e (como reconheceu o técnico Flávio Costa) só perdemos a Copa de 1950 porque ele não foi convocado...
Lessa e Paixão Côrtes nos fizeram ver que a Revolução Farroupilha não fora um simples "movimento separatista", mas um atalho para derrubar a Monarquia e instituir a liberdade republicana. Se, depois, o autoritarismo fez da República uma caricatura de si mesma, é como reduzir as ideias sobre nossa identidade a calçar e tilintar esporas em festa ou num baile.
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A paixão de Paixão foi muito além. Por isto, ele e Barbosa Lessa são modelos de façanhas que a vulgaridade dominante soterra a cada dia em nossas vidas.
Agora, a campanha eleitoral toma os rumos finais e os candidatos se digladiam em busca da presa. Sim, pois o estilo de quase todos faz recordar aqueles furiosos caçadores de antes, ávidos por qualquer bicho _ ave, bípede ou quadrúpede _ para nele fazer pontaria, disparar e matar.
A diferença é que, em vez de chumbo, nos disparam promessas. Um deles, em busca da presidência, utiliza o ódio para esconder a inexperiência administrativa e cultivar a intolerância. Mais caricato do que Trump, disse, até, que pretende "tirar o Brasil da ONU"... No bolso, parece guardar a visão fanática que, noutro momento da História, criou um Hitler. Ou, um Khomeini, como me observaram.
O fanatismo das paixões é cego e leva ao caos. Sejamos como Paixão Côrtes, apaixonados pelas raízes da História, não por histórias com raiz no horror.