A Constituição brasileira traz um artigo, de número 142, que se tornou um assunto maldito, e ai de quem ousar abordá-lo. Não terá as boas graças do establishment que dá as cartas no debate nacional. Sei, por isso mesmo, que o simples exame deste assunto terá inevitavelmente leituras exageradas pela paixão cega de quem defende uma ditadura militar – um risco que não vejo no horizonte – e de quem defende a ditadura de uma suprema corte que — esta, sim — a cada semana perde mais um bocado do que ainda lhe resta de escrúpulos e avança sobre os direitos e garantias individuais expressos na Constituição que deveria salvaguardar, jamais reescrever e nunca, em hipótese alguma, profanar em nome de propósitos que cheiram ao mais raso partidarismo político.
Como o espaço é curto, vamos direto ao texto da Constituição Federal da República Federativa do Brasil: “Artigo 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
Que lei e ordem temos hoje, no Brasil? Apenas a lei e a ordem que emanam da vontade de pessoas que vêm repetidamente quebrando o juramento que fizeram ao assumir uma cadeira tão vital para democracia como a de ministro/ministra do STF. Nada mais para de pé sob suas togas — nem o devido processo legal, nem o código penal, nem o código de processo penal, nem a prerrogativa do Ministério Público como titular da ação penal, nem a imprescindibilidade do advogado para o exercício da defesa, nem o direito à dupla jurisdição para quem sofre uma ação penal, nem a competência exclusiva do Congresso Nacional para fazer leis, nem a autonomia do governo para exercer ações executivas, nem a imunidade parlamentar, nem o respeito à coisa julgada por juízes e tribunais que formam o alicerce do Poder Judiciário brasileiro, nem o direito do povo de decidir, por seus representantes, sobre como tornar o processo eleitoral mais íntegro e transparente.
Ante as togas arbitrárias, não param de pé, nem mesmo, as decisões que o próprio STF havia tomado, de que é exemplo a revisão, às pressas, da constitucionalidade da prisão após segunda instância, reviravolta que deu salvo-conduto para criminosos de alta patente política.
A prosseguir tantos e tamanhos desmandos, dia chegará em que uma das decisões absurdas e inconstitucionais do STF deixará de ser cumprida, e qualquer dos poderes — Executivo, Legislativo e inclusive o Judiciário — poderá pedir às Forças Armadas, nos termos do artigo 142, o papel garantidor que a Constituição atribui a elas.
Pior ainda: e se os três poderes as demandarem? Será uma confusão dos diabos.
Parabéns pela obra, ministros do STF e seus influentes apoiadores de ocasião. Mas não se iludam: a democracia brasileira sairá do coma.