Embora por motivos de foro íntimo eu jamais tenha trajado aquelas vestes vermelhas e nem me auto-intitulado “rajneesh” – até porque o termo correto era “sanyassin “ (que quer dizer “devoto”) –, o fato é que durante dois anos de minha vida fui entusiástico simpatizante da doutrina do guru indiano Bhagwan Shree Rajneesh, que mais tarde trocou de nome para Osho (na época em que eu já estava começando a acha-lo osho duro de roer).
Passados 40 anos desde os tempos em que bailei seminu, com o mala a rodopiar (“mala” é um tipo de rosário, colar de contas para reza e meditação, não uma pessoa chata), e exatas três décadas desde a morte de Osho, explodiu, faz já um tempo mas com a força de um ciclone-bomba, o documentário “Wild, Wild Country”, sobre a loucura e os desmandos dos “devotos” de Osho que, com a omissão (ou o beneplácito) dele, formaram uma milícia e, trocando o mala pelas armas (e com bactérias na manga), tentaram tomar o poder num vilarejo no Oregon (EUA ), dispostos a matar ou envenenar quem fosse contra.
Mas o caso é que, após assistir a série “Em nome de Deus”, uma admirável produção da Globoplay sobre o monstruoso “médium” brasileiro João de Deus, o velho safado Osho renasceu feito um Buda para mim. Particularmente, nunca fui com a cara deste João de Deus, mesmo quando gente ligada a mim o consultava. Isso, claro, antes de imaginarmos que ele fosse a figura abjeta que é. Mas o fato é que sempre segui o lema: quem vê cara, vê coração. E o tal João de Deus, ex-garimpeiro e vaqueiro, arigó goiano, camelô da fé e farsante vil, era um abusador inveterado, invertebrado estuprador que seviciava suas vitimas rezando a Ave-Maria.
Mas pelo amor de – vá lá, pelo amor de deus: não estava na cara? Quem poderia crer que deus era brasileiro e operava milagres nos cafundós de Goiás? Bem, talvez gente como a que faz parte do rebanho dos pastores evangélicos da estirpe de Edir Macedo, Silas Malafaia, R.R. Soares e o sertanejo Valdemiro. Juntos, eles tem fortuna calculada (pela Forbes) em R$ 3 bilhões. E devem 276 milhões para a receita (mas o atual desgoverno já aventa perdoá-los de seus pecados fiscais).
Supõe-se que deus – se é que existe – aja por caminhos misteriosos como os caminhos do vento, e que insoldáveis sejam seus desígnios, mas, de boa, com aquela cara, aquele sotaque, aquela boiada, aquela pança e aqueles olhos revirando? As faces de deus podem ser múltiplas, mas certos caretas estão na cara. Então, me dá meu Osho, e meu mala, de volta, cara. E joga esse João de Deus na cadeia pela eternidade e mais um dia – sem esquecer, é claro, de cobrar o dízimo dos hipócritas pastores de gado.