Como se fosse uma bofetada – ao mesmo tempo irônica e trágica – da mão do destino, o navio, embora norte-americano , chamava-se ... Brazil. Havia zarpado de New Orleans, onde um pequeno surto de febre amarela já fora identificado, e logo fez escala em Cuba – sempre Cuba! –, onde a doença grassava solta. O vapor então seguiu seu rumo para Salvador, na Bahia. Chegou lá em 30 de setembro de 1849. Como dois marujos haviam morrido a bordo – sendo sepultados no mar –, o Brazil não poderia aportar. Mas, suspeita-se, teria subornado as autoridades portuárias e obtido carta branca – a então chamada “carta de saúde” –, para desembarcar sua carga. E seus contaminados tripulantes circularam livremente pela cidade.
E foi assim que a febre amarela chegou ao Brazil, ops, ao Brasil. Febre verde-amarela, no caso.
Só que chegou e foi solenemente ignorada. Dois médicos ingleses, os irmãos Alexander e John Patterson, e um alemão, Otto Wucherer, de imediato perceberam a gravidade da situação e, três dias depois, emitiram o alerta: a terrível, contagiosa e mortífera febre amarela estava de volta ao Brasil duzentos anos depois de ter sido erradicada do país. Qual o resultado de sua ação? Bem, os três foram quase linchados.
Sim, pois após uma reunião com o então presidente da província, o emérito visconde de São Lourenço, foram afrontados pelos não menos eméritos membros do Conselho de Salubridade Pública em pleno palácio. E no dia 4 de dezembro, o governo emitiu nota afirmando que “a opinião de nossos facultativos está em oposição à dos médicos estrangeiros” e “a presente febre nada tem em si de contagiosa nem de assustadora, sendo os casos graves ou fatais que agora se registram meramente devidos à predisposição dos doentes à outras moléstias, ou aos sustos que os doentes tem se deixado apoderar ou finalmente a tratamentos contrários à razão”. Assim, uma rígida medida profilática foi tomada: proibiu-se o dobrar dos sinos, “pois eles incutem nos doentes a ideia da morte, que muito agrava seu estado e pode até causa-la nos indivíduos mais nervosos”.
De Salvador a febre amarela espalhou-se por todo o Brasil e calcula-se que tenha vitimado mais de 30 mil pessoas cinco mil delas só em Salvador, quem sabe se não pelo letal dobrar dos sinos.
Havia muito, muito mais a contar sobre essa epidemia, mas além do espaço ter se esgotado, acabo de ouvir a Globo News alardear: “O fantasma de Queiroz ronda o Palácio do Planalto”. Que susto! Eu nem sabia que ele estava morto. Julguei que estivesse homiziado num sítio em Atibaia. O sítio dum amigo, claro. Mas esse, sem pedalinhos – e sem pedaladas também. Mas tudo muito verde-amarelo. Como a febre.