De início, queria escrever sobre o quão desprezíveis são muitos dos comentários que os usuários de redes sociais se julgam no direito de expelir, bem como refletir sobre o que leva os veículos de comunicação (inclusive este) a permitir que eles fiquem ali, ao pé de colunas ou reportagens. Mas decidi não desperdiçar meu tempo nem meu espaço (tão limitados), tampouco minha sabedoria e modéstia (mesmo tão vastas), em assuntos que não sejam os da ordem do dia: "Polícia médica" e Polícia Federal.
O conceito de "polícia médica" foi forjado na Prússia. Quem o cunhou foi o médico Wolfgang Rau em 1764. Mas as regras que definiram sua aplicação só surgiram 15 anos depois, em 1779, nos seis volumes de Vollständigen Medicinischen Polizei, obra de Johan Peter Frank. O livro estabeleceu os preceitos que, pelo menos em tese _ e dentro da lei _. permitiriam ao Estado não só colher as informações sobre seus cidadãos como estabelecer regras rígidas durante crises de saúde pública. Regras como o confinamento, que seriam válidas para todos, inclusive Frederico, o Grande.
Considerando-se "o primeiro servo do Estado", o grande Frederico acreditava que o objetivo primordial da administração pública era "a boa ordem". E que a única forma de alcançá-la era por meio de polizei. Derivada do grego politeia, a palavra polizei tem sentido ambíguo: é uma mescla de polícia e política e implica o poder de intervenção do Estado na vida dos cidadãos.
E por falar em polícia e em política, as origens da Polícia Federal no Brasil remetem ao período mais sombrio da Era Vargas. Foi em 1944, em pleno Estado Novo, que Vargas faz a antiga Polícia Civil do Distrito Federal virar Departamento Federal de Segurança Pública. Os propósitos do DFSP não eram só policiais, mas políticos: o órgão surgiu para intervir na vida dos cidadãos. Mas não por questões de saúde pública, e sim para vigiar, punir, espionar, prender, torturar e matar. Enquanto pôde, Vargas serviu-se do DFSP como se fosse dele.
Em 1967, o Brasil estava outra vez sob uma ditadura, quando os donos do poder mudaram o nome do DFSP para Departamento de Polícia Federal. Mas pelo menos livraram a PF do serviço sujo, que passou a ser feito pelo Departamento de Ordem Política e Social, o Deops (também criado por Vargas), que agia sob as ordens do famigerado SNI. Com a Constituição de 1988, a PF tornou-se órgão autônomo, enfim livre de intervir na vida dos cidadãos por motivos políticos.
E mais livre ainda de prestar serviços escusos de ordem pessoal a quem quer que seja _ mesmo que fosse Frederico, o Grande. Que, aliás, jamais o faria, pois, embora autoritário, era um sujeito decente.