Milênios antes de os cristãos comemorarem a ressurreição e os judeus celebrarem a passagem, povos de todas as latitudes e tons de pele festejavam o evento cósmico que, no hemisfério norte, marcava a transformação dos rigores do inverno nos brotos floridos da primavera e, no Sul, estabeleciam o declínio das cintilações do verão e o raiar das cores esmaecidas do outono. Dos megálitos de Stonehenge aos templos maias de Yucatán, das pirâmides de Gizé às linhas esculpidas no solo crestado da planície de Nazca, no Peru, os humanos celebravam a harmonia entre o Sol e a Terra, seu alinhamento cósmico, o ciclo celestial de renovação e ressurgência. O sagrado equinócio.
Quando a mitologia judaico-cristã apropriou-se desses signos e transformou aqueles rituais, desvinculou-se das estrelas mas manteve o rito de passagem. Os judeus criaram a Pessach para celebrar não só sua libertação do cativeiro no Egito mas também a passagem do Anjo Exterminador pela urbe ao pé das pirâmides, ceifando a vida dos primogênitos de seus inimigos, em mais uma daquelas pragas bíblicas das quais são tão prenhes as Escrituras. Mais tarde, os cristãos fizeram coincidir com a época do matzá (o pão ázimo), a crucificação e a ressurreição de seu messias Yeshua – imolado numa sexta-feira, renascido ao domingo.
Embora a palavra Páscoa (do hebreu "pasach", ou passagem) remeta também ao latim "pasto" (ou alimento), tanto os ritos judaico-cristãos como as celebrações pagãs da aurora dos tempos sempre associaram esse período à purificação, à limpeza e à regeneração. E assim, a prática do jejum esteve sempre associada a eles. O carnaval é a "festa da carne", que anteceda a quaresma: os 40 dias durante os quais devotos deveriam abster-se de comer animais mortos. Com o passar dos séculos, a Igreja deu-lhes bom desconto – e 40 dias viraram apenas um, o último: a Sexta-feira Santa. E os peixes acabaram pagando o pato, e morrem de véspera, feito o peru, já que o coelho, sempre com pressa, põe seus ovos e escapa assim do assado.
O jejum é curativo, é transformador, é sagrado. Regenera e fortalece corpo e mente. Buda, Zoroastro, Maomé, Lao Tsé, Confúcio, Yogananda, Platão, Sócrates Aristóteles -- e até Hipócrates, o "pai da medicina" -- todos jejuavam. Nos meus tempos de natureba radical, morando no mato, jejuei bastante, e não como carne desde 9 de agosto de 1981. Mas desde domingo passado, me dedico a encher a pança, a ver A Festa de Babette, a ler O Banquete, de Platão, e só ouço Banquete dos Mendigos, dos Stones.
Quero jejuar das palavras e ações dos hipócritas, dos falsos messias e dos pastores que pastam enquanto seus rebanhos mugem.