Embora o dia estivesse radiante, e as ruas juncadas de folhas de mangueira, lascas de canela e ervas perfumosas, algo não cheirava bem no Rio de Janeiro quando, ao raiar de 8 de março de 1808, a Família Real portuguesa e sua comitiva de 15 mil pessoas desembarcaram na cidade destinada a ser a capital do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Todos cedo descobriram que tinham vindo parar numa cidade acanhada, fétida e insalubre, "a exalar os piores miasmas".
Tantas doenças grassavam no Rio – lepra, tifo, malária, sarampo, influenza e varíola – que D. João logo estabeleceu a Fisicatura-Mor do Reino, nomeando Manoel Vieira da Silva Borges e Abreu o físico-mor da Corte e Estado do Brasil. O alvará que regia suas atribuições, assinado em 23 de novembro de 1808, concedia-lhe "notáveis prerrogativas". Baseado no conceito de "polícia médica" (surgido na Alemanha em 1764), Borges e Abreu foi encarregado de "desarraigar antigos e prejudiciais abusos na área da saúde". O regimento determinava ainda que os governadores gerais ficavam "obrigados a lhe dar todo auxilio necessário sempre que solicitados" e, nos casos de sua competência, "não deve nem pode se intrometer nenhuma outra justiça ou autoridade".
Houve uma grita geral: a lei foi vista como "o túmulo da liberdade".
Só após a Independência e com Constituição de 1824 foi que D. Pedro I decretou "extinta por uma vez a Fisicatura-mor", acabando com aquilo que as câmaras municipais do Brasil chamavam de "o velho poder medico português, monstruoso e autoritário". Municipalizaram-se assim as questões de saúde no Brasil. Mas em 1829 o caos sanitário atingiu tais dimensões que a classe médica fundou a Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro e seu presidente, Joaquim Cândido Soares de Meireles, enviou carta a D. Pedro I alertando que as câmaras "ignoram o conceito de policia médica, tem saber leigo e não cientifico, são incapazes de refletir sobre a saúde e frágeis ou indispostas para fazer cumprir a legislação sanitária, vacilantes para administrar as epidemias, incapazes de bloquear a chegada das moléstias contagiosas, bem como evitar a ruína dos hospitais, apoiar as instituições de caridade, manter consultas públicas e gratuitas e mitigar carência de medicamentos".
A carta finalizava dizendo: "Será preciso a eclosão de devastadora epidemia para que vossas excelências percebam o quão depauperada está a saúde publica no Brasil?". Então, em 1848, a febre amarela devastou o Brasil, ceifando a vida de 10 mil pessoas. E a saúde pública voltou a ser uma questão de Estado, na mão dos médicos e não dos políticos.