Era um sujeito carismático, isso é certo. Usava o cabelo para trás, o que realçava a testa larga e o narigão imponente. O resto do rosto era emoldurado por uma barba hirsuta, que nunca escondeu o tom jovial nem o sorriso fácil, do qual escapava uma pitada de ironia. Tinha a lábia de um camelô – de ideias. Voz de locutor e desenvoltura de apresentador de programa de auditório – coisas que, não por acaso, de fato fora. Quando descia à Redação, provocava um misto de ansiedade e orgulho. Mas, apesar da aura lisa e leve e da simpatia inerente, ele, em geral, era portador de más notícias.
– Sou portador de boas notícias –, disse Maurício Sirotsky Sobrinho para os cerca de 120 jornalistas agrupados em torno dele, num misto de ansiedade e orgulho, na enfumaçada Redação de Zero Hora, numa tarde do longo e tenebroso inverno de 1977.
Oba, pensamos todos: vem aí aumento de salário!
– Zero Hora vai passar a circular também aos domingos – falou ele, como se anunciasse mais uma canção de Elis, da qual, aliás, foi um dos "descobridores".
Socorro, pensamos nós: teremos que trabalhar aos sábados?
– Mas não se preocupem – assegurou o patrão. Vocês não trabalharão aos sábados.
Ufa, suspiramos todos, até que ele completou, com a naturalidade de quem nunca teve um pedido negado: "A edição dominical será feita na sexta-feira à noite, depois de fechada a edição de sábado...".
Foi assim que nasceu o pescoção das sextas-feiras, quando passamos a sair do jornal às 3 da matina – e ali estaria também a gênese do apelido Peninha, grudado em mim até hoje, mas esse é outro assunto.
Conheci Maurício e posso garantir que ele era mais popular, mais populista, mais leve, mais simpático, mais acessível e mais mão-fechada do que o "doutor" Roberto (Marinho, da Globo) e o "doutor" Júlio (de Mesquita, do Estadão), com os quais também convivi. Não conheci o "doutor" Breno (Caldas, do Correio), mas esse tinha fama de ser de maus bofes. O certo é que, um ano depois de ter visto minha mais-valia disparar, fui informado de que iria cobrir uma Copa do Mundo. Foi há exatos 40 anos e 40 dias, em 8 de maio de 1978. Cheguei à Argentina com 19 anos e virei o mais jovem repórter da história das Copas até então. Sabia que daqueles lábios eu receberia as piores notícias e que elas logo virariam as melhores novas.
Maurício Sirotsky morreu em 1986, quando eu já trabalhava para o doutor Júlio, ganhando mais, mas sem tê-lo visto sorrir uma só vez, nem quando me chamou à sua sala para dizer que a entrevista que eu fizera com Bob Dylan era uma das melhores "peças" que ele lera em seu centenário jornal. Mas o fato é que já se passaram 40 anos desde que o Brasil foi surrupiado no Mundial da Argentina – é só conferir a sessão "Há 40 anos em ZH" – e estou de novo cobrindo uma Copa pelo mesmo jornal no qual iniciei minha carreira: este, que Maurício Sirotsky fundou há 54 anos, com um sorriso irônico pendendo dos lábios.