O talento de comunicador, que se insinuava desde cedo pelo improviso no pátio do Instituto Educacional de Passo Fundo, ecoou primeiro pelas ondas da Rádio Gaúcha, comprada em 31 de agosto de 1957. Essa aquisição, feita por um homem que completara 32 anos havia dois meses, foi um marco fundacional. Desde então, em quase 60 anos, a RBS se consolidou com a criação da TV Gaúcha em 1962 (depois RBS TV) e, em 1970, com a compra de Zero Hora.
Maurício Sirotsky Sobrinho, o homem que desenhou esse grupo vocacionado à comunicação multimídia, morreu há exatamente 30 anos, em 24 de março de 1986, a três meses de completar 61 anos. O diagnóstico foi de parada cardíaca causada por aneurisma dissecante da aorta. O corpo foi velado no Palácio Piratini, e o cortejo fúnebre parou Porto Alegre.
Eram rádio, TV e jornal, o embrião do grupo que viria a trilhar os rumos da comunicação também na era digital e que, inspirado no fundador, adotaria valores como "fazer o que é certo, conectar-se às pessoas, atuar pelos clientes, crescer de forma sustentada, desenvolver o coletivo e pulsar". A crença do fundador ainda está muito viva na empresa e suas ideias são tão atuais que servem de mote para uma campanha envolvendo os colaboradores da RBS, para marcar a data e reforçar a visão de futuro do grupo.
Nascido na colônia judaica de Erebango, norte gaúcho, em 5 de junho de 1925, Maurício herdou da família o DNA de perseverança e superação. Erebango era o núcleo para onde as pessoas foram em razão dos pogroms czaristas de que eram vítimas na Europa oriental.
Ainda criança, o terceiro dos cinco filhos de José Sirotsky e Rebeca (Rita) Birmann Sirotsky, imigrantes vindos da Bessarábia (Império Russo), mostrava seu dom. Como outras, a família deixou Erebango e foi para Passo Fundo, em 1930. A meta era que os meninos tivessem ensino de qualidade. Outras seguiram para Erechim, Santa Maria e Porto Alegre.
E era em Passo Fundo que, adolescente, Maurício improvisava programas de calouros no pátio do colégio, durante o recreio, usando como microfone uma lata de sardinha amarrada à ponta de um cabo de vassoura. Tornou-se locutor de um serviço de alto-falantes, o Sonora Guarany, que operava na praça central da cidade. O dom do administrador-empresário também se manifestou, aos 21 anos, quando assumiu a gerência da Rádio Passo Fundo ZYF-5, de Arnaldo Ballvé, dono das Emissoras Reunidas.
Nelson Sirotsky, membro do Conselho de Administração do Grupo RBS, diz:
– Identifico na paixão e na ousadia de um homem, meu pai, Maurício Sirotsky Sobrinho, a essência da vida desta empresa, no seu passado, no seu presente, no seu futuro. Maurício olhava sempre à frente, era um empreendedor. E fazia isso a partir de sua crença na comunicação como instrumento transformador da sociedade e com os valores da nossa família, que colocam o respeito, o reconhecimento e a valorização das pessoas em primeiro lugar.
Aquele momento em Passo Fundo foi revelador. Maurício despontava já muito jovem como um misto de comunicador talentoso e empresário de tino empreendedor diferenciado. Desde o início da sua trajetória, o planejamento empresarial lhe dava a necessária prudência nos negócios. Paradoxalmente, porém, a ousadia era puxada pelo brilhantismo do comunicador. A expressão "multimídia", que viria a se tornar corriqueira décadas depois, já estava no começo da trajetória que levaria a RBS a ser uma das maiores redes de comunicação do país.
– Maurício Sirotsky Sobrinho mirava o futuro, sem jamais tirar os pés da sua crença na comunicação, no jornalismo e no entretenimento. Nós estamos preparando a RBS para os cem anos, como dizia Maurício, meu avô: "Acompanhar passo a passo o desenvolvimento tecnológico, mas sem nunca perder de vista a dimensão humana e o papel profundamente comunitário, cultural e de responsabilidade social de uma empresa de comunicação" – afirma Eduardo Sirotsky Melzer, presidente do Grupo RBS.
– Tenho uma convicção: quanto mais a gente muda, mais vamos continuar sendo os mesmos, mais nos aproximamos da crença do meu avô, dos valores da nossa família. A inquietude sempre caracterizou a RBS. Quanto mais nos transformamos a partir do desejo do público, mais perto chegamos da nossa essência.
Um jeito generoso de tratar as pessoas que o cercavam
Ao lado de Maurício, foram marcantes as presenças do irmão, Jayme Sirotsky, e do amigo Fernando Ernesto Corrêa. Com Ione Sirotsky, foi casado por 37 anos – desde 1949, quando ela era professora do Instituto Educacional de Passo Fundo. Um ano depois, mudaram-se para Porto Alegre. Tiveram quatro filhos (Suzana, Sônia, Nelson e Pedro) e 13 netos. Na Capital, a veia comunicadora se mostrou quando, em 1956, Maurício assumiu o comando do maior sucesso do rádio gaúcho na época, o Programa Maurício Sobrinho, que projetava artistas para o estrelato, no Cine Castelo.
– Sobre nossas origens, podemos falar em Passo Fundo, onde Maurício explorou o talento na comunicação, e um pouco atrás, até Erebango, aonde nossa família chegou da Europa com as dificuldades dos imigrantes. E podemos ir aos valores da religião que definiu certas raízes de comportamento, entre os quais um aspecto que sempre foi significativo: a educação – diz Jayme Sirotsky, presidente emérito da RBS, irmão caçula de Maurício.
A diferença de idade entre os dois é de 10 anos, e Jayme lembra que, mesmo quando criança, o jovem Maurício o tratava como "um igual". A relação que tinham e o tratamento dado são identificados por Jayme como um dos traços da personalidade do fundador da RBS: foi um convívio fluido, "a vida inteira".
– Era meu irmão, meu companheiro, meu amigo e meu sócio – emociona-se.
Maurício tornou-se unanimidade, mas rejeitou diversos convites para concorrer a cargos públicos. Não era o seu caminho. O tripé consolidado em 1970, rádio-TV-jornal, multiplicou-se em novas mídias, acompanhando as tendências. Com esse compromisso, anos depois o grupo ingressou na era digital.
A visão social do fundador da RBS está formatada na Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho, cujo posicionamento é de acreditar "no poder do conhecimento para transformar a vida das pessoas e na educação de qualidade e acessível a todos". Empreendedor. Maurício estava à frente de seu tempo. Planejava os cem anos de sua empresa mas, acima de tudo, era apaixonado pelas pessoas, o que ficou registrado em frases que nesta semana estão sendo compartilhadas entre todos os que trabalham na empresa que ele sonhou em 1957. Depois do alto-falante em uma praça de Passo Fundo, sua voz foi amplificada e resultou na potência do grupo que fundou e alicerçou para os novos tempos.