A primeira-dama? Trinta anos mais moça do que o presidente. O presidente? Um velhaco e ilegitimamente eleito, segundo alguns. Mas a dama? Muito bela? Ah, sim, deveras. Recatada?
Aí já não. Do lar, pelo menos? Menos ainda: do bar. O Bar do Jeremias. Pessoa da noite, então? Sim, mas nadava e cavalgava muito bem. E tinha um cãozinho, claro. O cãozinho também nadava? Isso já não sei. Sei é que o maridão-presidente vivia com água pelo nariz, com o país imerso em crise econômica e os índices de popularidade do governo baixíssimos. Por mais que fizesse, o presidente era desprezado. Para muitos, sua própria eleição fora uma fraude. A nação nunca engoliu o jeito como ele chegou ao poder. Ainda assim, ninguém podia imaginar que, após sair do Palácio, ele seria o primeiro ex-presidente do Brasil a ir para a cadeia. Nunca antes na história desse país.
Mas não viemos aqui para falar do marechal Hermes da Fonseca, viemos? Tido por seus adversários como homem de "completa nulidade mental", Hermes (1855-1923) se tornou o oitavo presidente do Brasil após a mais acirrada campanha eleitoral da história pátria. Foi a chamada "luta da pena contra a espada": Ruy Barbosa, "a maior mentalidade da nação", representava a pena, ao passo que o gaúcho de São Gabriel Hermes, sobrinho do marechal Deodoro e candidato dos militares e conservadores, era a espada. Não chega a ser surpresa a espada ter ganho, "com 400 mil votos redondos" (como disse o senador Pinheiro Machado, chefe da comissão apuradora do Senado) contra os 222.822 dados ao baiano Ruy.
Mas o que interessa é ela, não ele. Nair de Teffé von Hoonholtz nasceu em 1886, em berço de ouro em Petrópolis (RJ), e foi educada na França.
Aos 20 anos, voltou para o Rio e virou caricaturista – a primeira do mundo, dizem alguns; a primeira do Brasil com certeza. Trabalhou na revista Fon-Fon, onde, por causa do preconceito, assinava Rian – que é tanto Nair ao contrário como "nada" em francês. Também pintava, cantava e tocava violão e piano. E vivia metida no Bar do Jeremias, com João do Rio e Lima Barreto. Uma mulher bela, avançada e do bar, portanto. E a primeira a vestir calças compridas no país!
No verão de 1913, cavalgando por Petrópolis – "montada feito homem" –, ela encontrou, conheceu e em oito dias aceitou se casar com o "cachorrão" Hermes da Fonseca. Passou a morar no Catete, enchendo o palácio de alegria e música, com os frequentes saraus da amiga Chiquinha Gonzaga, o que causou escândalo no país. Certa feita, ela disse: "Da cozinha, eu só gosto da comida". Só que gostava de jogar, a dona Nair, e acabou perdendo tudo no pano verde. Inclusive a ilha em Angra, que o marechal, morto em 1923, deixara para ela. Nair morreu em 1981, no dia em que fazia 95 anos. Mas segue sendo a prova viva de que, por trás de um homem pequeno, pode haver uma grande mulher.
A minha tem mais de 1m80cm. E nada muito bem. Mas não tem cãozinho para salvar. Só tem um gato.