Passou-se mais um 13 de maio. Mas, dessa vez, sem perdão pelo trocadilho, a data não passou em branco. No dia em que se completaram 130 anos da assinatura da lei da abolição, mediante a qual o Brasil libertou seus escravos – a derradeira nação digna do nome, o último país do Ocidente, a fazê-lo –, foi lançado o magnífico Dicionário da Escravidão e Liberdade, que reúne 50 ensaios, editados por Lilia Schwarcz e Flávio Gomes, sobre os mais de três séculos ao longo dos quais a escravidão não só perdurou no Brasil, mas o construiu, com sangue, suor e lágrimas aos borbotões.
Só que um outro fato ocorrido naquele 13 de maio de 1888 – e que, portanto, também fez aniversário –, esse, sim, passou em brancas nuvens, como aliás tem passado esse tempo todo. É evidente que não há como comparar a relevância de uma efeméride com a da outra – embora a segunda também tenha soado como um cântico à liberdade. Foi na manhã daquele dia de maio que, nos recônditos da baía de Paranaguá, o intrépido marinheiro Joshua Slocum lançou ao mar a canoa de 35 pés (ou 10,6 metros) que havia construído com as próprias mãos, usando apenas um machado, um enxó e dois serrotes, com madeira de cedro e maçaranduba, derrubados por ele mesmo. A bordo dessa canoa, ele, a mulher e dois filhos (de 15 e seis anos) velejaram da Ilha do Mel até os Estados Unidos. Como o veleiro ficou pronto naquele 13 de maio de 1888, Slocum batizou-o de Liberdade, assim mesmo, em português. Sete meses e 6.820 milhas náuticas depois, o barco e seus tripulantes ancoraram em Washington.
Joshua Slocum (1844-1909) é um herói cultuado não só nos EUA e não apenas por navegantes de todos os tempos, mas por inconformistas e rebeldes do mundo inteiro. Espécie de eremita dos sete mares, admirado por escritores do porte de Mark Twain e Jack London, Slocum se notabilizou por ter sido o primeiro homem a dar uma volta ao mundo em solitário – a bordo do Spray, barquinho a vela de 11 metros, sem instrumentos, sem cartas náuticas e com apenas um dólar e 70 centavos no bolso. Essa jornada – realizada quase 10 anos após sua aventura "brasileira" – durou três anos, dois meses e 46 mil milhas. E dela resultou o clássico Velejando Solitário ao Redor do Mundo, livro que virou um manifesto filosófico em prol da liberdade absoluta e da desobediência civil, a ponto de ser considerado "o equivalente náutico de Walden", a obra clássica de Henry Thoreau.
Mas se Velejando Solitário é livro bem conhecido (inclusive no Brasil), A Viagem do Liberdade, o diário de bordo no qual Slocum narra sua incrível epopeia do Paraná aos EUA, recebeu uma única edição em português (feita por este que vos escreve). E não vendeu nada. Mas não faz mal. Afinal, liberdade não tem preço. Por isso, não pode ser comprada, vendida, nem doada. Só conquistada – como perceberam os 723.419 escravos que, no mesmo dia em que Slocum jogou-se aos mares, foram jogados no olho da rua.