Não sei se está gramaticalmente correto, mas sei que está certo para quem vive lá. Não se diz "em Guarujá"; diz-se "no Guarujá". Tipo na frase: "Tenho um tríplex no Guarujá", entende? Sei disso porque, antes de meu pai falir, veraneávamos no Guarujá, embora nunca tenhamos tido tríplex lá. Os tais veraneios foram nos anos 1960, quando ele obteve visto e nos mudamos para São Paulo – de mala e sem cuia.
Diziam que o Guarujá era chiquésimo e, para mim, aquele artigo definido era a prova definitiva de que era mesmo. "Vamos para o Guarujá." Ah, a frase soava como música. E, embora eu gostasse de me fingir de Robinson Crusoé naquela ilha – sim, Guarujá fica numa ilha, a de Santo Amaro –, não imaginava que um dia iria escrever livros sobre ela, pois não fazia ideia de que Vespúcio, Martim Afonso, Brás Cubas, o padre Anchieta e o incrível Hans Staden, entre outros ícones do Brasil colônia, tinham vivido ali. Tampouco podia supor que o Guarujá já não era sombra do que fora – em termos de finesse. Mas suspeitava menos ainda que, meio século depois, a praia estaria pior do que ficaram as finanças do meu pai.
Guarujá virou meca dos grã-finos paulistas em 1893, quando a família Prado construiu lá o incrível Grand Hôtel de la Plage, que ardeu em chamas em 1897, foi comprado pelo magnata Percival Farquhar, então dono do Brasil, e, depois de remodelado por Ramos de Azevedo, reabriu com fulgor em 1912. Sério: dê um Google e veja o que era o Grand Hôtel de la Plage. Em 1946, o jogo foi proibido e o hotel – que também era cassino – mergulhou na decadência. Foi demolido em 1959. Guarujá jamais voltaria a ser o mesmo. Nascido em 1958, o que eu podia saber disso?
Mas o que logo soube, e sei, é que, a partir do fim dos anos 1970, ocorreu no Guarujá o mesmo que em todas as melhores praias brasileiras, de Torres a Boa Viagem, de Garopaba a Ipanema, de Porto Seguro à Pipa: o mau gosto, a especulação, o turismo predatório, hordas de gente burra e feia, rica ou pobre, de todas as cores e gêneros, agindo sem controle num país que nunca teve visão (nem zoneamento ecológico), chegaram em busca dum "pedacinho do paraíso". E arrasaram com tudo.
Surgiram prédios medonhos. No Guarujá, do lado duma língua negra, está um deles. Chama-se Solaris e fica na praia de Astúrias. Começou a ser construído pela Bancoop, que, à falência, repassou a obra para a OAS. No topo, o Solaris tem uma cobertura tríplex. Mas é tão brega, que eu não a queria nem de graça. Como propina, então, revelo (mas só aqui entre nós) que meu preço é mais alto. Talvez, quem sabe, um apartamento em Paris, na Avenida General Foch. Ou um sítio em Atibaia, desde que sem pedalinhos.
Porque, afinal, como veraneei no Guarujá, ainda me acho um cara chique. Embora tal sensação seja, é claro, tão ilusória quanto a fortuna – e o tríplex – que meu pai nunca teve. Até porque, dele, só herdei a vergonha na cara. E uma doença no pulmão.