Adoro hotéis. Talvez porque tenha morado num quando criança, com a família, em Porto Alegre. Ele ainda existe: chama-se Lido e fica na Andrade Neves. Depois, aos 13 anos, li Hotel, de Arthur Hailey, e a paixão se consolidou. O livro era da minha tia Zilah. Ela só lia porcaria. Eu adorava as porcarias que ela lia (embora convenha deixar claro que Arthur Hailey só é porcaria para intelectuais bobos). Como quer que seja, acabei ficando em mais tipos de hotel do que você possa imaginar.
De moquiços sinistros na Cracolândia em São Paulo ao Emiliano, na mesma cidade, a mil milhas e mil anos de distância. Em espeluncas escabrosas na Colômbia, em salões suntuosos de Paris. No hotel Niko, em Atlanta, tão automatizado, que eu não sabia nem dar a descarga. Na pensão Madre Nuestra, em Tegucigalpa, onde a polícia meteu o pé na minha porta de carabina em punho – mas queriam derrubar a porta ao lado. No Mayflower Hotel, em Nova York, onde, cada vez que Bob Dylan retorna, o porteiro diz: "Welcome home, sir". Em Miami Beach, quando ainda era um lugar fétido, num albergue acima de um neon que soava como broca de dentista anunciando pan con lechon, cujo cheiro impregnava o ar – e atraía as baratas. No Frankfurter Hof, durante a Feira do Livro da Alemanha, com Tom Wolfe (de roupão?) no quarto ao lado. No Chateau Marmont, em LA, no Copacabana Palace, num buraco infecto em Rabat, no Marrocos. Aliás, pensei em ti, em Rabat.
Alguns dos piores hotéis em que fiquei – sem ser nas vezes em que fui forçado pela própria penúria – foram aqueles nos quais Zero Hora me pôs nos idos (idos, mas não esquecidos – sou do tipo que guarda os rancores na geladeira) dos anos 1970. O Manchete, na Avenida São João, quando alguma coisa (ruim) acontecia no meu coração. O Augusto's, na Barata Ribeiro, em Copacabana, onde os lençóis eram religiosamente trocados – de mês em mês. E um, cujo nome misericordiosamente esqueci, em Buenos Aires, na Rua Maipu. Esqueci do nome, mas não do que aconteceu lá.
Desembarcamos em Ezeiza, o fotógrafo Paulo Franken e eu. Só chegamos ao hotel às 2 e meia da manhã – para combinar com as duas estrelas e meia do estabelecimento. O porteiro da noite – the nightwatch – estava atrás do balcão, de dimensões similares às de um armário de banheiro. Ele fumava furiosamente, rabiscando com fervor num papel amarrotado. Ele era espantosamente parecido com as bitucas que transbordavam do cinzeiro. Não se dignou a levantar os olhos, nem quando fazia nosso registro. "Nombre?", latiu ele.
– Eduardo Bueno –, respondi. "Pero puedes llamarme", completei, caprichando no espanhol, "de Eduardo Malo...".
Ele enfim ergueu a cabeça. Mirou-me de cima abaixo com o cigarro nos lábios amarelados pela nicotina e, balançando a mão de um lado para outro, vaticinou: "Eduardo mas o menos...".
PS – Ele talvez tivesse razão.
Mas agora estou hospedado num palácio em Abu Dhabi – às custas de Zero Hora.