E, então, como ia contando, já fui parar na cadeia em 11 ocasiões. Não só isso: levei voz de prisão em seis idiomas – o que me torna um presidiário reincidente, mas poliglota. Semana passada, relembrei minhas detenções na Noruega, na Itália e na China. Se você não leu, escapou. Mas faltou espaço para as vezes em que fui preso em espanhol (duas) e em inglês (três). Quanto às três ocorrências sem lustro e sem graça na minha língua natal, declinarei de recordá-las, como já confessei.
Fui preso no México. Aconteceu em fevereiro de 1979, e foi assim: decidi dormir nas ruínas zapotecas de Monte Albán. Era para sacar a vibração. Aliás, tremenda bad vibe, bró... Esperei a noite cair, pulei a cerca e me instalei com meu saco de dormir ao pé do famoso "edifício J" (um milenar observatório astronômico). Sonhei que alguém me chutava no ombro. Acordei – e havia um guarda me chutando no ombro. Ele estava com um rifle apontado bem para o meu nariz. "Qué piensas, gringo?"
Na chefatura, argumentei que fora zapoteca numa vida anterior. Menti, é claro (fui maya quiché). Defendi com candente entusiasmo a superioridade física, intelectual e espiritual dos zapotecas sobre os toltecas, olmecas, chichimecas, tlaxcaltecas e qualquer outro povo eca desses aí. Saí da cadeia como um ilustrado Indiana Jones, que aliás sequer existia.
Minhas três detenções seguintes foram por infrações de trânsito que extrapolaram as medidas. Fui preso no Chile, em janeiro de 1995. Vinha dirigindo pelas solidões solares dos salares do Atacama. A estrada era tão reta e deserta quanto a Transamazônica em 1974. Uma transdesertônica, por assim dizer. Como poderia eu supor que, de tocaia atrás de uma duna, havia dois carabineiros egressos dos tempos de Pinochet? E que a velocidade máxima eram míseros 90 km/h?
Fui pego pelos ratos do deserto, levado na viatura até Copiapó e posto na frente de um juiz com cara de sapo, papada balouçante e ar repugnante – uma espécie de Gilmar Mentes. Ele me inquiriu: Você é um infrator? Sim. Um irresponsável? Sim. Um cocô frito? Sim. Um cocô frito mole? Ah, não, aí não. Você já foi preso no Chile? Melhor concordar com o que eles dizem... Saí do tribunal me sentindo um cocô frito mole.
Fui preso nos arredores de Braselton, na Georgia, sul dos EUA, em 1996. Estava a 188 km/h – culpa da estrada perfeita, do som do REM e de um compromisso inadiável. Na delegacia, expliquei para o inspetor: "Estou atrasado para encontrar a Kim Basinger. E ela odeia atraso...". O cara riu na minha cara. Eu disse: "Liga para ela". Dei o número. Ela atendeu. Ela era dona da cidade. Dona de Braselton. Literalmente. Perguntou se eu havia cometido alguma barbaridade, além do excesso de velocidade. Disseram que não. Ela mandou me soltarem no ato. Saí da delegacia como o latin lover que nunca fui.
Bob Dylan certa vez escreveu: "Para viver fora da lei, você tem que ser honesto". Sou um fora da lei.