Feliz 2022. Sério, sem piada. A não ser, é claro, que você prefira um feliz 5779, pelo calendário judaico (contado a partir de "um ano antes" da criação do mundo – ou seja, o ano zero); ou feliz 4745, pelo calendário chinês (contado a partir do início do reinado do Imperador Amarelo); ou feliz 2562, pelo calendário tailandês (contado a partir da morte do Buda); ou feliz 1440, pelo calendário islâmico (contado a partir da fuga de Maomé para Medina).
Ok, já deu para entender o relativismo cultural. Mas o fato é que todo mundo (quase que literalmente) estará festejando, depois de amanhã, o aurorescer de 2018. Que história é essa de 2022, então? Simples: o velho e bom frei Dionísio, o Exíguo (ou, vá lá, Dionísio, o Humilde, como o chamavam alguns), errou a data do nascimento de Cristo por (pelo menos) quatro anos.
Nunca ouviu falar em Dionísio, o Exíguo? Talvez não. Ainda assim, você passa todo ano na companhia dele, desde o ano em que nasceu. Foi o Exíguo – que veio ao mundo na atual Romênia, por volta do ano 470 (segundo o calendário que ele criou e nós usamos) – quem inventou o anno Domini, ou ano do Senhor, determinando a contagem do tempo a partir do nascimento de Cristo. Ele fez isso em Roma, no ano que iria virar 532 – mas que, até então, era o ano 264 da Era Diocleciana. E o problema, para Dionísio, estava justamente aí: o imperador Caio Aurélio Valério Diocleciano tinha sido um contumaz e irrefreável caçador de cristãos. Como a contagem do tempo poderia seguir adiante se era em homenagem ao tirano?
Dionísio podia ser o Exíguo, o Humilde ou mesmo o Pequeno (alguns o cognominam assim). Mas também era esperto, dedicado e trabalhador. Apesar de matemático, traduziu mais de 400 cânones apostólicos do grego para o latim, bem como os decretos do Concílio de Niceia (aquele no qual a Bíblia foi cortada, editada e manipulada, no ano de 325 – segundo o calendário de Dionísio). Dionísio concluiu que o único marco digno o suficiente para estabelecer o ano 1 era o nascimento de Cristo. Com base nos esparsos dados citados pelos apóstolos Lucas e Mateus, calculou a data. Errou por pouco. Por quatro, talvez cinco anos. Bem menos do que os exatos 200 que sua proposta levou para "colar". Isso se deu por obra do Venerável Beda, monge anglo-saxão, que em 732 publicou a História Eclesiástica do Povo Inglês, livro a partir do qual não só se inicia a historiografia britânica como também o ano 1 enfim emplacou – não com quatro, mas com 731 anos de atraso...
Já houve outras tentativas de criar um ano 1.
E até um desastroso ano zero, como quis o ditador Pol Pot e seu medonho Khmer Vermelho, no Camboja. Se o planeta tivesse acabado no dia 16 de dezembro, lá em Abu Dhabi, talvez estivéssemos vivendo agora um novo ano zero. Mas ainda bem que não acabou: esse lindo planeta azul bem merece girar por outros 4,5 bilhões de anos. Um feliz 2022, todo azul para você!