Tudo se arrastava para um massacre de técnica, tática e espírito solidário. Mas sem emoção. A Argentina lutava pelo último prato de comida. Abriu 2 a 0 com enorme facilidade. A França queria escargot. Enquanto Messi dava carrinho e ajudava a marcar, Mbappé não conseguia nem tocar na bola. Então, com o jogo aparentemente decidido, a França morta e enterrada, o mundo vira do avesso de jeito que nunca mais será esquecido, até Messi erguer a taça de tricampeão e virar, na Terra, o que Maradona é no céu para os argentinos.
Um pênalti fortuito. Mbappé pega a bola e desconta. A partir daí, o mundo entra em estado de suspensão para sorrir, chorar, extasiar-se, surpreender-se e aprender. Sim, aprender. Por que o epílogo no Catar foi uma grande lição de vida, com a maior final que a longa história de 22 Copas do Mundo já presenciou. Logo em seguida o mesmo Mbappé empata em um golaço extraordinário, de sem pulo, levando a final para uma prorrogação que parecia improvável.
Enquanto a parte tática predominou, o técnico argentino Lionel Scaloni anulou Rabiot e Griezman, colocando De Paul e Mac Allister. Assim, cortou a comunicação entre meio-campo e ataque francês. Mbappé mal tocou na bola. A surpresa corajosa de Scaloni foi Di Maria em vez de Paredes. Em tese, abriu-se em relação aos quatro volantes da semifinal diante da Croácia. Deu muito certo.
Com Di Maria na esquerda, Julian Álvarez no comando do ataque e Messi, sim, ele, na direita, ajudando a fechar linha de marcação com garra e espírito de luta, a Argentina passeou. O fiasco francês foi tão imenso que Didier Dechamps fez duas substituições já na primeira etapa, para não ser goleado. Trocou Dembele e Giroud por Thuram e Muani, transformando Mbappé em centroavante para ver se ele entrava no jogo.
O relógio marcava 25 do segundo tempo quando a França, enfim, finalizava: por sobre o travessão, sem perigo. Então, o acaso. Pênalti para a França. Mbappé, artilheiro do Mundial, frio como um freezer, desconta. A Argentina sente. Desorganiza-se. A França cresce com os atacantes que vieram do banco, numa tentativa suicida de fôlego novo no 4-2-4, mais no coração do que na tática. Mas não haveria o último tango perfeito de Messi sem a obra prima de Mbappé.
Ele recebe de Muani e emenda um chutaço no ângulo. Em cinco minutos, um gênio da bola reverte a expectativa de jogo da Argentina. Por detalhe, a França não aplica uma virada lendária. Mas veio a prorrogação. E aí Messi foi descomunal. Foi Maradona. Ele se recusa a desistir. Aos poucos, vai recolocando a sua Argentina no jogo. O abatimento era geral em seus companheiros. Mas ele começa a dar carinho e a correr como se tivesse 20 anos. Messi evitou o nocaute. É ele quem faz a jogada e o gol do 3 a 2.
Parecia o fim.
Só que não.
Mbappé, o rei que recebeu o bastão de Rei do futebol de Messi aqui no Catar, ainda empataria em mais um gol de pênalti, o terceiro dele no jogo, de novo com alguma dose de caso. A bola bate na mão do argentino Pezzela. Incrivelmente, a decisão vai para os pênaltis, não sem antes a França perder, através de Muani, um gol incrível no último lance. O goleiro Martínez faz defesa de handebol milagrosa. A França talvez tenha deixado escapar o bicampeonato ali. No estádio Lusail, as 88 mil pessoas se olhavam, atônitas. Colocavam as mãos na cabeça. Ninguém entendia como era possível franceses e argentino nos entregarem uma final tão incrível.
Nos pênaltis, Argentina 3 a 2, Messi deslocando o goleiro de forma sublime, e Mbappe se mantendo firme no momento decisivo, também estufando a rede. Um jogo destes ter perdedor deveria ser proibido. Argentinos e franceses nos ensinaram uma grande lição. Jamais desista. A maior final de todos os tempos teve o jogo irremediavelmente ganho para um lado várias vezes, mas o outro nunca aceitou essa condição, ao comando técnico e metal de Messi e Mbappe, sem violência e só na bola.
Foi um privilégio ver tudo isso ao vivo aqui no Catar.
Obrigado, futebol.
Muito obrigado, de coração.