Errei, e estou feliz pelo erro. Tinha certeza sobre quais finais de Libertadores colorados e gremistas queriam ver recontadas. Venceriam as de 1995 contra a de 2017, no Grêmio, e a de 2006 versus a de 2010, no Inter. Os motivos pareciam definitivos, mas falhei justamente em um mantra pessoal de vida: desconfie dos que têm certezas demais.
As pessoas e o mundo melhoram com dúvidas, e não com certezas. Vejamos um ditador declarado, ou algum projeto de ditador que se move sorrateiramente na democracia, por exemplo. Eles tentam criar um cenário de caos para se apresentar como solução e justificar suas certezas. Uns fazem isso com mais talento. Outros beiram o ridículo. De qualquer maneira, fique de olho.
Eu tinha motivos isentos para cravar os resultados das duas enquetes de GaúchaZH, tanto que cheguei a discorrer sobre eles. Três para o Grêmio; três para o Inter. Para o Grêmio: Renato, o estilo de jogo mais encantador e o terceiro título na balança Gre-Nal. No Inter: Fernandão, a ansiedade pelo fim da longa espera e o adversário de grife na final. O São Paulo era um timaço.
Na enquete do Inter, 2006 alcançou 85% dos votos registrados em GaúchaZH. No Grêmio, foi menos folgado. Durante a escolha, a disputa chegou a ser emocionante como os jogos contra o Palmeiras do Luxemburgo. A produtora Marina Renard lembra que 2017 até liderou na largada. Mas 1995 ultrapassou feito uma arrancada do Paulo Nunes: 64%. O que o singelo resultados das enquetes significam?
A memória venceu. Se é verdade que as provações da pandemia nos farão cidadãos melhores, mais solidários e valorizando o que realmente importa, esse interesse pelo passado é uma benção. Já está provado o sucesso das reprises de grandes jogos do passado. A audiência das partidas da Seleção Brasileira nas Copas de 1970, especialmente, mas também nas de 1982, explodiram durante a quarentena. Os lances vieram para o debate de hoje com frescor, como se fossem o Balanço Final, da Rádio Gaúcha.
Dei-me conta disso quando dispensamos, no entusiasmo do debate, metade de um Sala de Redação falando em 1970, discutindo a disciplina tática de Gérson e movimentação do Tostão. Estamos sendo convidados a rever conceitos durante a crise da covid-19. Aquela ideia de que reprise é chata e ninguém vai ver acabou.
Claro que nunca vai superar um jogo importante ao vivo quando o futebol voltar, mas está criado um produto novo para habitar as grades de programação em situações especiais, com tutoriais jornalísticos contextualizando o cenário da época e cabine de hoje para essa transposição. Em efemérides, talvez.
Pais se aproximarão de filhos, mostrando os craques do passado. Diálogos impensáveis se tornarão possíveis. No Beira-Rio ou na Arena, um filho de 15 anos dirá, com o pai assentindo, os olhos cheio de lágrimas:
– Pai, o que nos falta é um Jardel para consagrar o Jean Pyerre.
Ou:
– Pai, um só Falcão resolveria esse vai-não-vai do nosso meio-campo.
Já estou vendo a gurizada, e mesmo nós, pensando na hora de comprar um livro ou escolher um filme. Que tal um Machado de Assis na veia? Quem sabe um filme do Eisenstein, de quem os especialistas da sétima arte tanto falam em tom reverencial? Evoluiremos para outros olhares e descobertas, e nesse caso os streamings já deram um passo sólido no cinema, ao nos aproximar de outras estéticas e sonoridades para além da americana, que dominava o mercado de produção e distribuição. Não preciso mais catar e investigar alguma mostra vespertina da cultura muçulmana para ver um filme turco fantástico como O Mistério da Cela 7.
A onda retrô no futebol vai sair das camisetas e entrar em campo de fato. Temos muitos a aprender com a memória pop.