Foi uma espécie de libertação, com o perdão do trocadilho. O título da Libertadores de 2006 representou mais para o Inter do que o fim de uma seca de títulos importantes que durava quase 14 anos. A conquista, naquela noite de 16 de agosto, diante do São Paulo, foi o fim da espera para a torcida, da consolidação de uma direção, da volta por cima de Abel Braga e da desforra para os jogadores. O 2 a 2 do jogo de volta, contra o então campeão do mundo, precedido do histórico 2 a 1 no Morumbi, com dois gols de Rafael Sobis, colocou o Colorado no topo da América e reabriu os caminhos de glória para o clube.
Quando se diz que foi o fim de espera para a torcida, a rigor a conquista da Libertadores não só encerrou a época sem os maiores troféus, como, de quebra, mudou o estado de espírito dos colorados. Quem vive no Rio Grande do Sul entende: era uma época boa, com títulos estaduais, rebaixamento do rival, mas faltava o salto.
— Eles entendiam perfeitamente a importância daquilo porque em Porto Alegre, qualquer discussão sobre futebol na rua, no bar, acabava quando o gremista falava que tinha Libertadores. O colorado não tinha como rebater — declarou ao GloboEsporte o técnico Abel Braga.
Para ele também foi especial. Abel, que apareceu nessa série na semana passada por ser o comandante colorado no Gre-Nal do Século, carregava, ao lado da grande vitória sobre o Grêmio, a perda do título nacional de 1988 para o Bahia. E, meses depois, a eliminação para o Olímpia na semifinal da Libertadores, depois de ter vencido fora e de ter o resultado em casa à feição. O título continental foi o voo que a carreira do treinador precisava. E se fala em voo porque dezembro foi ainda mais alto — mas isso é assunto para outro momento.
Para os dirigentes, o título consolidou uma ideia. No começo da presidência de Fernando Carvalho, em 2002, o Inter caminhou na beira do precipício e só não despencou para a Série B porque conseguiu uma vitória contra o Paysandu, em Belém, na última rodada. Depois, encontrou em Muricy Ramalho um líder para a reconstrução, voltou a ganhar os campeonatos gaúchos, a disputar competições internacionais e a pontear as nacionais. Faltava a conquista, e ela veio no mais alto escalão sul-americano.
E para os jogadores, o auge. Um grupo cuja base caminhava junta havia dois anos penava na hora de ser campeão. Em 2005, era líder do Brasileirão quando a revelação de um esquema de corrupção na arbitragem lhe tirou do primeiro para o terceiro lugar com o cancelamento de partidas apitadas por Edilson Pereira de Carvalho. Depois, pontos recuperados, sofreu com um pênalti sobre Tinga não marcado por Márcio Rezende de Freitas no confronto direto com o Corinthians, o vencedor. Assim, a Libertadores chegava para coroar (até aquele momento) a carreira daqueles atletas. Para Tinga em especial, a coincidência foi marcante. Expulso no lance em que Márcio Rezende não deu pênalti, acusando-o de simulação, o volante recebeu novamente cartão vermelho na decisão da Libertadores, por erguer a camisa na comemoração do gol.
— Fiz o 2 a 1, fui expulso, fui para a sala de musculação e fiquei de joelho, rezando. De vez em quando, levantava e caminhava, enquanto tudo aquilo passava na minha cabeça. Mas não via nada, fiquei com medo, porque só tinha som. Era um sapateado na minha cabeça. Não sabia se era gol e se era deles. Sabia que estava a 20 minutos de entrar para a história, para o bem ou para o mal — contou o jogador a Zero Hora.
No fim das contas, foi para o bem. Mesmo que Lenílson tenha empatado no final — Fernandão abriu o placar para o Inter, Fabão deixou tudo igual, antes de Tinga colocar o Inter na frente de novo —, o sofrimento colorado nos minutos restantes foi a mola que lançou a festa sobre o Beira-Rio, que se estendeu pelo resto do mundo, onde houvesse um colorado esperando pela libertação. E pela Libertadores.
Ficha técnica
LIBERTADORES — FINAL — JOGO DE VOLTA
16/8/2006
INTER 2x2 SÃO PAULO
INTER: Clemer; Índio, Bolívar e Fabiano Eller; Ceará, Edinho, Tinga, Alex (Michel) e Jorge Wagner; Sobis (Ediglê) e Fernandão. Técnico: Abel Braga
SÃO PAULO: Rogério Ceni; Fabão, Lugano e Edcarlos (Alex Dias); Souza, Mineiro, Richarlyson (Tiago), Danilo (Lenilson) e Júnior; Leandro e Aloísio. Técnico: Muricy Ramalho.
Gols: Fernandão (I), aos 29 minutos do 1º tempo; Fabão (SP), aos 5, Tinga (I), aos 20, e Lenílson (SP), aos 39 minutos do 2º tempo.
Cartões amarelos: Edinho, Tinga, Alex, Bolívar e Edinho (I); Aloísio (SP)
Cartões vermelhos: Tinga (I)
Árbitro: Horácio Elizondo, auxiliado por Rodolfo Otero e Dário Garcia (trio argentino)
Público: 57.554
Renda: R$ 719.365
Local: Estádio Beira-Rio, Porto Alegre