Às vésperas da retomada do principal torneio de clubes do continente, GZH começa nesta sexta-feira (20) a série Histórias da Libertadores, dando voz a personagens que fizeram sucesso, e que viveram momentos de pressão. São textos em primeira pessoa, extraídos a partir de relatos dos entrevistados. A primeira reportagem traz dois jogadores campeões. Osvaldo ajudou o Grêmio a conquistar a edição de 1983. Tinga foi um dos ícones dos títulos do Inter em 2006 e 2010. Nos próximos dias, as vozes serão de Murilo, ex-goleiro tricolor, Michel, ex-atacante colorado, e do ex-árbitro Renato Marsiglia.
Estava encaminhado o tão sonhado título da Libertadores pelo Inter. Aos 22 minutos do segundo tempo da final, Tinga havia feito o gol do 2 a 1 sobre o São Paulo, ampliado a vantagem do jogo de ida. Só que, na comemoração do gol, ele foi expulso. A festa havia se transformado em agonia.
Tinga precisaria esperar no vestiário o desfecho. Era a segunda expulsão em partidas decisivas (no ano anterior, havia tomado cartão vermelho de Márcio Rezende de Freitas por, segundo o juiz, simular um pênalti contra o Corinthians). Angustiado, o jogador ficou sozinho, rezando, esperando o apito final.
Curiosamente, quatro anos depois, de novo foi expulso diante do São Paulo, pela semifinal da Libertadores.
"Eu sei exatamente o que vocês escreveriam"
"Eu sei exatamente o que vocês escreveriam se o São Paulo tivesse virado aquele jogo. As notícias do futebol são assim, ou o cara é herói ou é vilão. Se eles tivessem virado, eu seria o cara que veio do Grêmio, que deu e depois tirou o título do Inter. Não seria o ídolo que eu sou. Além disso, eu já estava vendido. Teriam dito que estava com a cabeça no Borussia Dortmund. Sabia que estava entre me tornar um ídolo ou não, entre entrar para a história ou não. Poderia dar o primeiro título internacional do Internacional. Aquilo me deu um certo equilíbrio na vida. Vi que se ganhar não sou o melhor do mundo e que se perder não sou o pior. Ganhar e perder estão muito próximos. Por isso, o título da Libertadores de 2006 foi o mais importante da minha vida.
A expulsão teve um significado muito importante. Tem coisas na nossa vida que não precisam dar errado para a gente aprender. Sempre entendi que a gente aprende mais nas derrotas do que nas vitórias. Nas vitórias, a gente comemora. Ali não foi uma derrota, mas aprendi. Consegui ver exatamente o que ia acontecer se a gente não ganhasse o jogo. Mentalmente eu consegui enxergar tudo o que seria escrito e como eu seria visto se o São Paulo virasse.
Tanto que acabou o jogo, comemoramos no campo e depois todos foram para o Barranco. Eu não. Peguei minha família e fui para casa. Porque na minha cabeça, seriam aquelas pessoas que estariam comigo se tivesse dado errado. Sou colorado, estava feliz pra caramba por ter conquistado o título, mas quis vir para casa. Não é polêmica, tanto que na quinta fui comemorar com o pessoal. E na sexta fui embora.
Mas voltando. Fiz o 2 a 1, fui expulso, fui para a sala de musculação e fiquei de joelho, rezando. De vez em quando, levantava e caminhava, enquanto tudo aquilo passava na minha cabeça. Mas não via nada, fiquei com medo, porque só tinha som. Era um sapateado na minha cabeça. Não sabia se era gol e se era deles. Sabia que estava a 20 minutos de entrar para a história, para o bem ou para o mal.
No final do jogo, Seu Gentil entrou no vestiário para me dizer: "Acabou! Fomos campeões, fomos campeões!". Entrei no campo para comemorar. Mas eu não sabia que o São Paulo tinha empatado. Só fui saber depois, quando voltamos para o vestiário. Vi em uma TV que estava dando os melhores momentos que eles tinham feito o gol.
Se eles tivessem virado, eu seria o cara que veio do Grêmio, que deu e depois tirou o título do Inter. Não seria o ídolo que eu sou. Além disso, eu já estava vendido. Teriam dito que estava com a cabeça no Borussia Dortmund.
TINGA
Ex-meia do Inter
É engraçado isso, minha vida foi marcada no Inter, se você ver bem, com três expulsões. A primeira vez foi aquela injusta com o Corinthians. A expulsão mais injusta da minha carreira. Mas falando com o pessoal, acho que se tivéssemos conquistado o Brasileirão, teríamos muita dificuldade para ganhar a Libertadores do ano seguinte, pelo relaxamento natural, pelo desmanche, que demorou um pouco mais para vir.
Como já tinha esses dois cartões vermelhos, a expulsão de 2010 não me assustou tanto assim. Ali já entendi que era plano de Deus. Tanto que os colorados brincam: "Tomara que alguém seja expulso porque é um sinal de que vai dar tudo certo". Lá no Morumbi, eu já estava confiante de que tudo daria certo, estava mais tranquilo. Fiquei acompanhando no túnel. Já estava calejado."